sexta-feira, 19 de outubro de 2018












               José da Glória
                 
                                                  João de Assis





Dedicatória

Dedico este livro ao meu sogro e segundo pai, Walter Lacerda de Almeida, In Memoriam.


Meu sogro... meu segundo pai!



Como um clarão...
Como um facho de luz vindo do Céu,
tu vietes para colorir esta terra...
Aqui tu fostes um anjo de bondade e ternura...
Aqui tu fostes uma fonte inesgotavel de doçura...
Jamais, de teus lábios ouvi uma palavra de raiva...
Jamais, ouvi de ti sequer, um julgamento malicioso...

Ou, um pré-conceito negativo sobre alguém...

 

Como um anjo  pousou em nossas vidas...
Como um anjo também, deixa-nos agora...
Só quem te conheceu pode realmente atestar essa verdade...
A caridade, em ti fez um ninho...
Um ninho de amor e compaixão por todos os sere humanos
- filhos do mesmo Deus, que tanto tu honrastes com tua fé inaudita...




Agora partes para o "Outro Lado Bom da Vida..."


Partes para junto Daquele que te enviou...
E deixa-nos tristes... numa tristeza sem fim...
Nosso estado de alma é tão ímpar,
que não encontramos palavras que nos conforte...



Neste teu declinar de luzes,tu não chorastes
um momento sequer...
A única dor que em ti fez morada, foi a dor
da partida...
Uma dor oriunda dos teus...
Vinda da tua propria saudade
que prematuramente, tu ja sentias....



 

Mas, mesmo partindo assim - como um passarinho livre....


Mesmo sentindo essa dor que silenciosamente ti
dilacerava o pobre coração, teus lábios
só pronunciavam bênçãos e desejos de
felicidades para todos nós...





E tua vida, repeitada e íntegra...


E o teu caminhar, proprio de homem honrado,
de homem que sempre temeu a Deus, dá-nos a certeza de
que lá do alto, lá de onde o cèu é mais azul,
se pudesses dirigir-te à nós, na tua voz mansa e suave
como o matiz das flores, dirias mais ou menos
assim,  a cada um de nós em particular:


 "Que a estrada se abra à sua frente.

Que o vento sopre levemente às suas costas.
Que o sol brilhe morno e suave em sua face.
Que a chuva caia de mansinho em seus campos.
E até que nos encontremos de novo,
que Deus o guarde na palma de Suas mãos..."

                                      O autor


 Análise do livro Jose da Gloria

                              Caro amigo, novamente me emocionei com a leitura do seu livro.

                             Trata-se  de uma linda história recheada de sentimentos nobres e lições de  vida. O protagonista é envolvido por segredo e mentira . Uma infância sofrida de ilegitimidade e pobreza que  enfrenta com bravura. Um cotidiano áspero  de fome e miséria. 

                            O autor descreve com fidelidade, o dia a dia das classes menos favorecidas numa dicotomia fúnebre: pobreza e riqueza.

                           As  analogias , destarte as colocações do autor, são perfeitas. Há concordância do começo ao fim.
Senti-me numa viagem de trem; e olhando pela janela, ia percebendo o desenrolar dos acontecimentos, que se desencadeavam com astúcia e sabedoria, sem freio, nos surpreendendo a todo instante.

                         Com muita sutileza e sabedoria , o autor coloca  suas idéias socialistas e nos faz sentir indignação com o preconceito e a miséria.   
                         
                         O livro desperta o interesse do leitor, do inicio ao fim. E quando termina , sentimos na boca um gostinho de quero mais.
                 
                         Indico a leitura do livro e sugiro que o mesmo seja encaminhado para o departamento  de produção de novelas das televisões.


Parabéns e que Jesus continue te iluminando


Sandra Vasconcelos é professora  de História, Pedagoga, Bacharel em Direito, Pós Graduada em Gestão Educacional pela UNICAMP, Escritora, Poetisa e Acadêmica Titular da ACLA.   



           À Guisa de Prefácio.





Esta história é fictícia, tal qual foi a minha vida de grande escritor e sublime poeta.
 Mas a cidade onde ela acontece, é real: existe e sempre existirá.
Nela eu nasci, porém, muito pouco, vivi.
Mas dela guardo as mais gratas recordações da minha vida  -  minha infância querida.
Sempre na primavera para lá eu ia... Duas horas de viagem a pé, por uma estrada mal cuidada e de terra batida.
Era um tempo de flores... um tempo de chuva ... um tempo de barro... o cheiro  de capim gordura, pendulando nos seus vales ou em suas montanhas, os coloriam de um verde muito oliva.
Glória... nome que te deram quando nem nascido eu era, mas que guardo com inteiro carinho em meu coração. Terra das minhas raízes... raízes que formaram minha  origem... a minha vida...
Neste paupérrimo relato, os vocábulos podem muito bem soar sem sentido, ou até mesmo sem inspiração. Isto vai depender diretamente daquele ou daquela pessoa, que nessa viagem se aventurar. A cidade também poderá parecer a todos irreal ou inconcebível, mas para mim isto não importa.
O importante é que eu escolhi este relato, para nele gravar com letras de fogo a frase: “EU A AMO”. Pois incorporando um semideus que define quem vive, quem morre, quem ama, eu então a coloco grande e magnífica,  como gostaria que já fosse.
E aos supostos viajantes que passearem por estas linhas, eu peço que compreendam esta minha intenção, deixando fluir em seus corações, um pouco deste amor platônico (eu bem sei), mas que sempre tive e sempre terei, por este meu torrão natal.
                           


                                                  
                                                                  O Autor
          








          Capitulo 01

      





Estava fazendo dois meses que o Sr. Ramiro, rico empresário e dono de uma fortuna considerável, tinha mudado seus hábitos.
Cansado dos muitos sistemas de segurança, que por obra sua mesmo, foram implantados no seu dia-a-dia, que monitoravam seus passos, desde sua residência até às suas empresas.
Segurança esta, que por ser ele uma pessoa abastada, era de vital importância mantê-la sempre em atividade, para a própria sobrevivência sua e a de seus familiares. Aliás, quanto a isso, com relação a sua esposa Mariana e seus três filhos: Alisson um ano e dois meses, Anderson de quatro e Wiler de quase seis, ele jamais abriu mão dela.
Infelizmente esta ciranda financeira, patrocinada pela fusão do capitalismo selvagem com a total aceitação da globalização do mundo, implantada em nossa sociedade por estes mesmos empresários, faz com que nós, homens comuns sejamos os presos albergados dentro de nossas próprias casas, e eles, os ricos, passem a se deslocar para qualquer lugar deste planeta “com seguranças”, ao em vez de: “ em segurança”. Talvez, esteja aí uma frase filosófica para se pensar: “se eles, os ricos,  se contentasse com uma fatia menor neste bolo econômico, nossas vidas e por consequência também a deles, poderiam ser bem  melhores”.
Mas enquanto isto não acontece, o que se vê é a velha “corrida do ouro”, que séculos atrás se verificou no oeste americano, agora acontecendo nas cidades grandes de todos os países do mundo, tendo como os maiores promotores, esta minoria de ricos empresários, infelizmente.
E este sistema de vida que não podemos jamais chamar de “modus vivend”, em contra partida, provoca uma série de efeitos colaterais indesejáveis.  E um deles, é o stress, que mais cedo ou mais tarde, acaba se instalando nestes mesmos indivíduos fazendo com que se tornem excessivamente temperamentais e impacientes.
Este era então o estado de momento, deste empresário do ramo de alimentos, residente na cidade de Caranaíba-MG, no estado gigante de Minas Gerais.

--- Vou fazer minha caminhada... - disse Ramiro a sua mulher, enquanto trajando um training de moletom azul e um tênis de marca, se dirigia apressado para porta de saída da sala de estar.

--- buaaaaaaá... buaaaaá... -  Ouviu-se o estridente choro de Alisson, que sentado em sua cadeira de alimentação, e preso pelo cinto de segurança dela, não tirava os olhos de seu pai.

--- Que foi meu filho?  -  Interveio sua mãe, tentando acalentar o garoto.

Ramiro ao ouvir o choro, estando já na porta, voltou-se na direção do garoto, falando ao mesmo tempo para sua esposa:

--- Deixe que eu o levo na caminhada... só hoje.

--- Nada disso... - disse Mariana. E continou - Você vai muito longe e ele não vai aguentar uma caminhada assim, nem mesmo no colo de alguém...

--- Não... não...  pode deixar...  Hoje eu vou fazer um percurso menor e depois, também não sou doido, será que você está pensando que eu vou deixa-lo caminhar?

--- Não Ramiro, de jeito nenhum... ainda mais que você cismou de não levar nenhum segurança junto, nessas caminhadas...

--- Deixa de ser boba, mulher - e pegando a criança no colo, foi saindo com ela retrucando à guisa de saída.  - ... Acho que você acha que eu sou criança? Será que você não está vendo que é cedo demais, ainda não são nem seis horas da manhã.
--- Olha Ramiro. eu já vi uma pessoa teimosa, mas juro que nenhuma, tanto quanto você.   Disse ela já quase gritando a parte final da frase. Pois seu marido já estava no portão com Alisson

 Ramiro saiu carregando o garoto no colo. Alissom muito sorridente, estava fascinado por estar na rua. A manhã não estava fria, apesar do sol ainda não ter dado sua cara.
Todos os dias Ramiro fazia esta caminhada pelos quarteirões próximos a sua casa, mas hoje, especialmente por causa do seu filho, ele a reduziu. E para esta redução, teve que passar pela pequena estrada de terra que atravessava, o também pequeno Bosque Municipal. Este, distava mais ou menos umas quatro quadras de sua residência. E foi aí nesse pequeno bosque, ainda deserto pela alvorada do dia que nascia, que aconteceu o imprevisto.
Três bandidos, todos usando luvas de borracha, chegando por trás, jogou-o ao chão. Ramiro ao ser abalroado e antevendo que ia cair, rodopiou seu corpo para então cair de costas. Desta maneira evitou que Alisson se machucasse com sua queda. Imediatamente uma arma foi colocada em sua cabeça, fazendo-o ficar imóvel no chão. Alisson assustado, começou a chorar. Uma voz metálica soou fria, no ar.

--- Rápido... deixe o garoto no chão, e venha conosco.

Pela ordem ouvida, o pensamento de Ramiro extrapolou a velocidade da luz. ... sequestro... e querem a mim... mas e o Alisson?...

--- Obedeça e largue o garoto... o melhor para ele é ficar por aqui... não queremos nenhum estorvo.  Disse o segundo marginal enquanto apoiava com estrema violência seu joelho na barriga de Ramiro, ao mesmo tempo que se preparava para algemá-lo
Diante do dilema, Ramiro preferiu deixar seu filho sentado na terra, e pensou: ...na melhor das hipóteses, com a minha demora... alguém virá e o achará aqui...
Levantado com a ajuda de um dos bandidos, foi imediatamente empurrado para dentro de um carro, onde foi forçado a deitar-se no chão da parte traseira. Ali estirado, ouviu o choro sentido do garoto, abandonado na terra. O carro saiu em disparada.
Um rapaz, que era o terceiro bandido, sentou-se perto da cabeça de Ramiro, encostando nele sua arma. O segundo, sentando-se do lado de suas pernas,  colocou um de seus pés em suas costas, justamente para força-lo a permanecer deitado.
A “via crucis” de Ramiro continuava, não sabia ele se preocupava com sua vida ou com a de Alisson, deixado sozinho naquele bosque.
Dentro do carro, o silêncio imperava. E dentro deste clima de medo, Ramiro voltando a realidade, notou que o rapaz que segurava a arma encostada em sua cabeça, tremia demasiado. Era visível o grau de seu nervosismo. Ramiro tentou acalmá-lo.

--- Calma garoto... eu é que deveria estar nervoso, afinal, você está armado.

--- Cale a boca...  disse ele forçando o cano da arma, contra sua cabeça.

“A emenda ficou pior do que o soneto”. Com a intervenção de Ramiro,  o rapaz passou a tremer mais ainda.
Depois de quinze minutos de viagem mais ou menos, o carro em disparada entrou numa curva, e sem que o motorista esperasse passou por um quebra-molas sem reduzir a velocidade. O solavanco foi tão grande, que mesmo sem querer, a arma do bandido mais moço, disparou. A bala penetrou no crânio de Ramiro, e sua morte foi imediata.

Um dia li em algum lugar a seguinte frase: “Duas coisas nos conferem sentido de realização pessoal: 1 - Conseguir aquilo que planejamos; 2 - Desfrutar aquilo que conseguimos. Só os mais sábios conseguem a segunda...” E não sei porque, mas acho que ela se encaixa muito bem aqui, ou talvez, seja apenas impressão minha.
Depois daquele tiro acidental, o bandido mais velho, que estava sentado no banco de trás, disse:
--- Sujou. Procure um lugar ermo pra gente “abandonar o barco”.

Na mesma hora o motorista enveredando por um beco estreito, saiu numa estrada vicinal de terra batida, e eles abandonaram o carro logo à frente. Seguindo cada um em uma direção.

                       
                
                   *************


Chorando muito, Alisson engatinhava totalmente desnorteado em meio à poeira solta, daquela rua de terra do Bosque Municipal.
Já estava ele com sua fralda toda molhada por vários xixis e por isso mesmo, todo sujo de barro, quando apareceu um homem de cor, empurrando um carrinho de madeira, no qual transportava papelões e latinhas de cerveja, que catava nas ruas e praças da cidade. Este homem vendo o desespero do menino, e julgando-o pela sua sujeira em que se encontrava, se tratar de uma criança abandonada por sua família. Aproximou-se dele e pegando-o no colo, disse:

--- Vem cumigo... onde come quatro, mais um num vai fazê deferença, não.

Alisson foi erguido do solo e colocado sentado entre, e por sobre os papelões que já estavam no carrinho. A mudança de situação, isto é, a saída da terra para o carrinho, fez com que ele se acalmasse, e com o inicio da viajem, chegou até a sorrir.
Quarenta minutos depois, chegaram ao barraco onde este homem morava, situado na orla final de uma favela. Era um barraco construído com tábuas de caixotes desfeitos e restos de materiais de construção, achados todos no lixão da cidade, que ficava ali perto.
Ao entrar naquela mísera tapera, sua mulher vendo-o com aquela criança nos braços, indagou admirada:

--- Onde ocê arrumô essa criança, Firmino?

Firmino era seu nome. Como já disse, de cor, magro e espadaúdo, usava um cavanhaque próprio dos negros que optam por deixar a barba crescer. Não era casado, nem emprego ou profissão sequer tinha como trunfo para criar sua família, isto é, sua amante e seus dois filhos.
--- Foi jogada fora... Tava lá naquele bosque do centro. --- respondeu, enquanto colocava Alisson em cima daquele estrado armado, que servia de cama para eles.

--- E ocê foi trazer pra casa?

--- Ah!... muié... onde come quatro, come cinco... e adispois... ah... eu num tive corage de dexá este moleque chorando no chão, não.
--- Só Firmino, que aqui a coisa num é assim, não... aqui onde quatro já passa fome...  cinco, vai ficá pior. --- disse a mulher.
--- Ah... zira,  se ocê num quizé, ocê dá prus otros... mais eu num tenho corage  prisso, não... ocê resorve... eu vou é vendê os papelão de hoje.
Dizendo isso, Firmino saiu puxando seu carrinho rumo ao ferro-velho, onde todo dia, vendia as suas sucatas.
Zira, isto é: Alzira , este era o seu nome, mas desde que conheceu Firmino ficou sendo chamada por esta fração do nome, ficou ali olhando aquela criatura brincando com suas mãozinhas, conjeturando sozinha.
Na realidade a grande e única preocupação daquela mulher, era com a alimentação, pois no seu dia-a-dia, os dois filhos que já possuía, tinha dia que não tinham nada para comer. Na pequenez do seu mundo não passava preocupações de saúde, dentistas, médicos e estudos, isto era considerado luxo e era administrado como podia, mas o estômago, não, este, ela sabia que reclama toda hora, e  principalmente numa criança daquela idade.


                      
                    ****************


Sete horas da manhã. O segurança de nome Armando, que passara a noite guardando a mansão, chegou da rua onde a mandado de Mariana, fora atrás de seu patrão, que já passava da hora de regressar.
Mariana apavorada, esperava na porta por alguma resposta, visto que já tinha percebido o retorno do segurança, sem a companhia de Ramiro.
--- E aí, Armando? Gritou.
--- Não encontrei não, Dona Mariana. Fiz o trajeto todo que o patrão tem costume de fazer... nem sombra deles. Respondeu Armando.
--- Ai meu Deus... o Alisson está com ele... e ele ainda falou que ia fazer um trajeto menor, justamente por causa do menino... já eram para estarem de volta.
--- Não sei não, Dona Mariana... mas acho que a senhora deveria chamar a polícia...
--- Não, ainda não... vá  você dar mais uma olhada... ele deve estar por ai, mesmo.
Armando saiu novamente. Agora optou por fazer o trajeto ao inverso pelas proximidades da residência, mesmo porque, se nada houvesse realmente acontecido a eles, já deveriam estar realmente por perto.
Enquanto Armando saia pelo portão, Mariana  tocou o telefone para casa de  seus pais.
--- Alô?... mãe?... mãe me ajuda... pelo amor de Deus, me ajuda... eu já estou sem saber o que faço.
--- Fala minha  filha... ajudá-la em quê? Perguntou sua mãe também aflita, do outro lado da linha.
--- O Ramiro saiu cedo para caminhar e não voltou até agora. E... e ainda por cima ele levou o Alisson, com ele.
--- Calma minha filha... calma que deve estar tudo bem. Ele apenas deve ter passado em algum lugar para distrair o menino,  por isso está atrasado...
--- Não sei, não mãe... estou com um pressentimento horrível.
--- Calma... nestas horas a gente tem que ter muita calma, filha. Eu vou desligar e vou com seu pai para te fazer companhia. Fique com Deus.
Desligando o telefone, Dona Margarida disse:
---Vamos depressa Oswaldo,  eu também estou com um mal pressentimento.
Sr. Oswaldo, que acompanhava o diálogo ao telefone enquanto tomava seu café, não disse uma palavra. Imediatamente, largou sua xícara na mesa e foi para a garagem pôr seu carro em funcionamento, enquanto esperava pela esposa.
Dona Margarida chegou e entrando no veículo, disse.
--- Ramiro é muito teimoso... a pessoa quando chega a um  nível igual ao que ele tem, tem que agir com mais cuidado...
--- Eu cansei de falar com ele, mas ele acha que desgraça só acontece com os vizinhos, hoje, logo que aparecer uma oportunidade, eu vou ter mais uma conversa séria com ele.
Quando chegaram à porta da mansão, o vigia Armando estava retornando da sua segunda batida às ruas. Ele vendo os sogros do patrão descendo do carro, interpelou-os.
--- Bom dia...
--- Ôi Armando... bom dia, já tem alguma noticia?. --- Perguntou aflita Dona Margarida.
--- Não madame,  eu até acho bom a senhora estar aqui com o sr. Oswaldo, porque temos que chamar a polícia... não importa se enquanto fazemos isso, eles apareçam, o importante é não deixar passar muito tempo.
--- Eu vou fazer isto imediatamente, disse o velho. Vamos Margarida... vamos entrar que eu vou telefonar para a policia.
Dizendo isto ele foi entrando no portão, seguido por sua mulher e o segurança da casa.
Ao ouvir os passos na escada, Mariana apareceu na porta.
--- Mãe?!... Pai?!... Armando... não encontrou nada, Armando?


--- Não senhora...
Mariana abraçou seu pai, e este passando-a para o ombro da mãe, disse:
--- Vou ligar para a polícia...
Dona Margarida, levou sua filha para cozinha e deixando-a em soluços numa cadeira, começou a preparar-lhe uma água com açúcar.
Neste momento chegou à cozinha o garoto Wiler, de pijaminha,  descalço e  esfregando os olhinhos. É que com o choro de sua mãe, ele havia acordado e descido da cama. Dona Margarida ao vê-lo, pegou-o no colo e tentou brincar com ele.
--- E como vai o meu príncipe? Ainda tá com soninho... tá?... senta aqui nesta cadeirinha, porque descalço você pode ficar dodói... e deixando-o acomodado, voltou a preparar o calmante para sua filha.
Os empregados da casa começaram a chegar. Marina e Sara eram as babás, Conceição a cozinheira, Fátima a arrumadeira, Gustavo o motorista, Severino o segurança que acompanhava Ramiro e Orlando o segurança da casa que chegava para render Armando, o segurança da noite. Todos ao passarem no portão pelo Armando, este ia colocando-os à par dos acontecimentos.
Conceição, ao entrar na cozinha, vendo a avó cuidando da filha em prantos e do neto, começou a chorar também, dizendo:
--- Ô gente... Deus é muito grande... não aconteceu nada , não...
Ao ouvir a voz da mulher, Mariana levantou a cabeça e interrompendo seu choro, exclamou:
--- Conceição?!... já chegou?!... nossa Mãe!... então já são mais de oito horas... ah! Minha mãe... aconteceu uma desgraça mesmo... Ramiro nunca demorou tanto assim... e o Alisson... nem chegou a  mamar, coitadinho...
--- Calma minha filha. Tudo vai se ajeitar. Tenha confiança em Deus. --- disse sua mãe. Mas nem ela mesma estava acreditando no que acabava de dizer.
Ouviu-se a sirene do carro da polícia.
Sr. Oswaldo entrou na cozinha e disse:
--- Venha minha filha... a polícia está chegando, e por certo vão querer falar com você. Vamos lá para a sala.
Logo que se acomodaram, Armando, o segurança da noite, que não quis ir embora para casa, fez o policial entrar.
--- Bom dia à todos. Cumprimentou o investigador.




          Capitulo  02



Mal estacionado à margem daquela estrada vicinal, o carro acabou por chamar a atenção de um sitiante, que chegava à cidade montado em seu cavalo. Fazendo com que o animal pareasse com o veículo, a princípio com medo da abordagem, mas à medida em que a fazia, foi se certificando de que o mesmo estava desocupado, ele então se acercou-se  do carro. Com os vidros fechados e estes, refletindo a sua própria imagem, o cavaleiro não conseguiu vislumbrar nada de anormal dentro do automóvel, que pudesse lhe chamar a atenção. Apenas notou o quebra-vento totalmente quebrado no lado do posto do motorista, e isso fez com que ele suspeitasse tratar possivelmente, de um carro roubado.
Abandonando o local, continuou sua marcha e chegou ao final do beco que desembocava na via principal do bairro. Logo ali, tinha um policial controlando o trânsito daquela artéria. Esperou o momento certo, e atravessando a primeira pista, chegou até ele, que estava no canteiro central. Sem apear de seu cavalo, falou :
--- “Seu” guarda... depois do final daquele beco ali, --- disse ele apontando a direção, --- ...  logo no começo da estrada de terra, tem um carro parado com o quebra vento quebrado... Tudo leva crer que se trata de um carro roubado e   possivelmente, abandonado.
--- Que carro é? Perguntou o soldado.
--- Ah!... só sei dizer que é branco...  de carro eu não entendo nada, não.
--- Tudo bem... eu não posso sair daqui agora, mas vou comunicar a Central e alguém vai chegar até, lá. Ok? Obrigado.
Feito isso, o cavaleiro atravessou a segunda pista da avenida e foi cumprir com seus compromissos.
Não demorou muito e uma viatura com sua sirene aberta,  entrou no citado beco.


Depois de estacionar na traseira do veículo, a dupla de policiais saiu com as armas em punho e pôs-se a examinar o intrincado veiculo. Enquanto um abria a porta do lado do motorista, o outro abria a porta do caroneiro.
--- Tem um “presunto” aqui. --- Disse o primeiro.
---  Cuidado então... não toque em nada. --- Disse o segundo.
--- Vou apenas certificar se realmente está morto... de repente ele pode ainda estar com vida.
--- Certo. Enquanto você olha eu vou chamar o delegado.
O segundo policial foi até a sua viatura e pegando o rádio, falou:
--- Alô Central!... alô!
--- Fala 101..., --- responderam.
---É o cabo Gilberto, Central... estamos aqui na rodovia Hamilton de  Albuquerque. O carro denunciado é um gol branco e tem uma vítima dentro.
Nesta altura, chegou o companheiro que ficou examinando o corpo dentro do carro e falou:
--- Pode pedir o camburão, que o homem está morto. ou melhor, deixe que eu mesmo completo esta informação, me passe o rádio.
--- Central... é o Soldado Adilson... confirmando... a vítima dentro do carro está morta... está vestida com um traning azul e tênis... pode mandar o camburão, desligo.
Enquanto a equipe não chegava, eles foram anotando o que podiam.


                  ****************


--- Bom dia. --- Respondeu o Sr. Oswaldo, enquanto convidava o Delegado a entrar e se assentar.
--- Eu me chamo Reginaldo. Sou Delegado de policia e preciso fazer algumas perguntas. Eu bem sei que nestas horas isto é desagradável, mas não temos outra alternativa. Contudo... se palavras consolam, eu posso dizer que enquanto eu estou aqui, minha equipe está vasculhando todos os  quarteirões vizinhos.
--- Tudo bem, Delegado. --- respondeu o sr. Oswaldo --- nós compreendemos perfeitamente.
--- Então vamos lá, quanto mais cedo começarmos, melhor. De minha parte  procurarei ser o mais breve possível... a que horas ele saiu?
--- Ainda não era nem seis horas... talvez... quinze... ou dez para as seis, segundo Mariana nos falou. Respondeu Dona Margarida.
--- E  que roupa ele trajava?
--- Um traning de moleton azul e tênis... --- respondeu Mariana, entre soluços, e continuou. --- ...e o Alisson, uma camisinha fina e fralda ...
--- Ele sempre vai caminhar neste horário? --- perguntou o oficial.
--- Sim... --- continuou respondendo Mariana.--- não que seja esta hora, uma hora marcada. Mas quando o Alisson acorda e pede a mamadeira... enquanto eu levanto para arruma-la, ele se levanta e sai...
--- Ele tem costume de levar o garotinho nestas caminhadas?
--- Não... nunca levou. Respondeu Dona Margarida, tentando poupar sua filha, que continua chorando.
Neste momento o telefone celular do delegado tocou. Ele então pedindo licença, se levantou e enquanto caminhava para a porta de saída para a varanda, colocou o aparelho no ouvido.
--- Reginaldo... pode falar.
--- Doutor... um  Gol branco foi encontrado na Hamilton de Albuquerque, e tem uma vitima dentro.
--- Homem ou mulher?
--- Segundo a patrulha 101, trata-se de um homem trajado com um traning azul... eu mandei o camburão para lá.
--- Tudo bem... eu também vou indo.
E voltando para dentro da sala, disse.
--- Tenho que atender um chamado, mas gostaria que alguém aqui de dentro da sala  me acompanhasse. E possível? --- falou isto, mas olhando para o “segurança” Armando,  piscou um olho. Armando entendendo o sinal, logo se ofereceu para ir no lugar do Sr. Oswaldo, que já tinha se levantado para sair.
--- Pode deixar patrão...  o senhor faz mais falta aqui. Eu vou com o Doutor.
--- Eu volto a falar com vocês; até logo. Despediu o delegado e saiu às pressas, levando consigo  o “vigia”.
Sr Oswaldo, com seus quase setenta anos, simplesmente olhou para sua esposa, que sentada no sofá amparava a filha, e franziu a testa num gesto característico de que notícias boas, já não mais deviam esperar.
O local onde o carro se encontrava, agora estava bastante movimentado. Havia repórteres dos jornais locais e a TV, investigadores, funcionários de uma funerária e muitos curiosos.
Estacionando o veículo nas proximidades, o delegado se aproximou do sinistro, e logo foi colocado a par da situação, pelo cabo Gilberto.
Reginaldo depois de dar uma olhada no cadáver, fez sinal para que o  Armando se aproximasse.
--- Olhe você... acho que é o seu patrão.
Armando então de moreno que era, ficou meio pálido. Demonstrando muito nervosismo, abaixou-se um pouco para ver melhor e gaguejando, exclamou:
--- É-É... infelizmente é ele!...
--- Tem certeza? Não há possibilidade de engano? --- Insistiu o delegado.
--- Infelizmente, não... É ele mesmo, mas, e o garoto? ... se ele saiu com ele.
--- O garoto ainda é uma incógnita... mas por um lado, a não estada dele junto do pai, nos dá uma esperança. --- Disse o delegado. E virando para a sua equipe, determinou --- façam todo o serviço de praxe e libere o corpo para a funerária. Eu vou comunicar a família. Mas não suspenda a busca, o garoto ainda está desaparecido. Mantenha-me informado de tudo. --- Falando isto, entrou em seu carro acompanhado de Armando, e voltaram para a residência.
Ao entrar na sala, a atenção voltou-se totalmente para ele, que não se fez de rogado, e foi logo dizendo.
--- Minha senhora... o chamado que atendi agora, foi exatamente sobre seu marido... infelizmente ele está morto. Mas graças a Deus, a criança não estava com ele... isso de certa forma nos dá uma certa esperança...
O desespero se instalou naquela casa. Mariana aos gritos era consolada pela mãe. Os meninos, Wiler que já tinha acordado, e agora também o Anderson, se juntavam também aos presentes. As babás: Marina e Sara, desatinadas, não sabiam o que fazer. Fátima e Conceição choravam uma abraçada à outra. O telefone não parava de tocar. Sr. Oswaldo o atendia e dava informações vagas, se limitando apenas a confirmar a morte do genro, porque os interlocutores já diziam ter visto na televisão.
O delegado tentando ajudar os familiares, pegou o fone na mão do sr. Oswaldo e colocando-o no gancho, desligou sua tomada, e disse para ele:
--- Calma sr. Oswaldo... o telefone agora só atrapalha... faça o seguinte: pegue o celular e ligue para o serviço social da empresa e peça que mande alguém para cá, e que tragam também um médico. Sua filha precisa de cuidados, além disso, é necessário que se tomem algumas providências para o velório e o próprio sepultamento.


                                      


                                             ****************




A permanência de Alisson naquela tapera, já havia sido definida pela mulher. Tanto Alzira quanto Firmino, ambos não possuíam índoles más. Apenas, se por um lado o marido agia mais por impulso, sua mulher, ao contrário, procurava sempre agir mantendo seus pés no chão. Mas a pobreza que sempre se fez companheira inseparável dos dois, não havia de maneira alguma,  endurecido seus corações.
Alzira ia fazer 34 anos, cor branca estatura mediana, trazendo sempre seus cabelos presos; ora por algum apetrecho de plástico, ora por um lenço. E hoje, depois que Firmino saiu para vender sua mercadoria, ao ficar ali cismando sozinha diante daquele anjinho, colocado em cima do estrado que servia de cama para eles, resolveu adotá-lo dizendo para si mesma:
--- Nóis num sabe o futuro... eu num ia querê nunca que meos fios fosse destratado assim... Deus, é pai... e vai ajudar nois.
Depois então buscou uma vasilha com água e retirando aquela fralda imunda, esfregou no corpo do garoto um pedaço de pano que ia molhando-o e torcendo-o,  na água da vasilha.
Ainda estava ela fazendo a limpeza do garoto, quando seus dois filhos apareceram. Eles estavam dormindo numa espécie de quarto, onde na verdade, não cabia mais do que outro estrado de cama e bem menor que o primeiro. Ao verem o garoto, as perguntas  logo surgiram.
--- De quem é este neném, mãe? --- Perguntou Toím, oito anos , mulato e  filho mais velho de Alzira.
--- É arrumação do Firmino.
--- Ele vai sê nosso, mãe? --- Perguntou Nando, também mulato como seu irmão, mas dois anos mais novo que ele.
--- É... ele foi jogado fora. --- Disse a mãe.
--- Cumé que ele chama? --- Retrucou Toím.
--- O neném?... é... é neném... um dia nóis põe nome nele.
E não querendo ficar ali respondendo o que na verdade não sabia, pediu aos dois para ficarem ali brincando com ele, enquanto ela ia arrumar alguma coisa para eles comerem.
Na outra parte da casa, no que deveria ser a cozinha, também era só um lugar diminuto onde ficava um fogão à gás, um caixote pequeno com uma tábua atravessada ao meio, que servia de prateleira, e uma lata grande de água, que servia para cozinhar. Alzira, que todo dia fazia acontecer o milagre da multiplicação dos pães, colocou um pouco d’água para ferver junto com um punhado de arroz, enquanto procurava por uma casco de guaraná e uma bexiga que até aquele momento, tinha sido brinquedo para os meninos. De posse destes objetos, depois que a goma de arroz chegou no ponto, resfriou-a e adicionou à ela um pouco de açúcar. O resultado desta “alquimia”, ela colocou dentro da garrafa onde adaptou a bexiga de maneira a permitir que Alisson pudesse mamar. E chegando perto dele, disse:
--- Eu criei meos dois fios cum isso... e vai sê cum isso, que ocê também vai sê criado.
E Alisson, depois de mamar aquela goma de arroz, dormiu chupando os seus próprios dedinhos.
Alzira deu então um pouco de café com um pedaço de pão de ontem, para os meninos que acabavam de acordar, e pegando um saco, bem como, o par de luvas grossas, que além de sujas estavam bem gastas e  que ficava penduradas atrás da porta, disse pra eles:
--- Ôcêis agora tem que tomá conta do neném, enquanto eu vô trabaiá...  num fica brincando longe daqui não...
O trabalho de Alzira era ali mesmo no lixão. Toda manhã,  ela se juntava às dezenas de mulheres, homens e crianças, que sem escrúpulos nenhum procuravam no lixo, que chegava à noite em caminhões da prefeitura, a sobrevivência de suas famílias.
Por volta de meio dia, ela retornou. Na sua chegada, vendo os meninos brincando, perguntou pelo neném. Toím, respondeu.
--- O pai chegô... e deitô lá, com ele.
--- Deus seja lovado... ele mata aquele menino.
E largando o saco no chão, entrou às pressas no barraco e  foi direto onde ficava a cama. Firmino molhadinho de suor, dormia na sua  beirada e Alisson sentado no canto, brincava com um molho de chaves. No ar, aquele cheiro acre de cachaça. Alzira pegando o garoto falou para si.
--- Bebeu... êsse iscumungado, bebeu... eu nun sei pruquê eu ainda fico cum ele...
Ela colocou o menino no chão, do lado de fora da casa e chamando Toím e Nando, mandou que eles passassem a brincar perto dele, enquanto ela ia preparar o almoço.
Chegando na restrita cozinha, viu um embrulho em cima do fogão e do lado deste, um pacote de leite. Abrindo o embrulho, exclamou:
--- Pé de frango... ôtra veiz pé de frango... se num tivesse gastado cum pinga, o dinheiro tinha dado pra comprá umas asinha... enfim... que fazê?
Depois daquele minguado almoço, que não passou de uma canja de arroz cozida junto com meia dúzia de pés de frangos, Alzira foi separar as quinquilharias que trouxera do lixão.
Uma panela de alumínio furada e sem cabo, um pacote de  jornais velhos, pedaços de fios de cobre e alguns cascos de vinho que colocou para serem vendidos no ferro velho. Por último retirou de dentro do saco uma mamadeira de plástico, toda trincada e com sua chupeta cheia de barro. Ao separar esta peça, ela disse para si mesma. --- Agora posso vendê aquela garrafa qui fiz de mamadeira.





                                Capitulo 03




Na qualidade de rico empresário e dono de uma rede de supermercados, Ramiro teve como uma última homenagem, a honra de ser velado no salão nobre da prefeitura. A urna em que estava, fora feita em madeira de lei na cor caramelo e envernizada. Ela ficou constantemente fechada, permitindo aos visitantes apenas a visão de seu rosto, através de um pequeno visor de vidro.
Á volta do esquife, Mariana sob forte dosagem de calmante, ministrada pelo médico da família, estava sentada em meio aos seus pais e chorava. Sua mãe já não tinha mais palavras para confortá-la, e por isso mesmo, era também solidária nas lágrimas. Sr. Oswaldo estava serio e compenetrado. Wiler e Anderson, ficaram em casa em companhia das babás, eles eram muito pequenos para entender que seu pai estava indo embora. Quase todos os funcionários das empresas estavam presentes, pois nenhum estabelecimento de propriedade da família, abriu suas portas no dia de hoje. Muitas autoridades compareciam com suas condolências. A cidade praticamente parou para render-lhe suas últimas homenagens. As Rádios e a TV locais, davam flashs quase que de hora em hora.
As Três horas da tarde, uma missa de corpo presente foi celebrada na Catedral dos Anjos, que fica na Praça Paulo Henriques de Assis, defronte do chafariz. Logo após a missa, o padre conduziu a cerimônia de réquiem.
Ás quatro horas e trinta minutos, o cortejo fúnebre deu entrada no Campo Santo. E na quadra 55, tumulo 14, uma fenda aberta no gramado, aguardava o depósito de seus restos mortais. Antes de ser definitivamente sepultado, o superintendente da empresa, pedindo licença à família, fez em nome de todos os empregados uma pequena oração de despedida.


Que a estrada se abra à sua frente,
Que o vento sopre levemente às suas costas.
Que o sol brilhe, morno e suave, em sua face.
Que a chuva caia de mansinho em seus campos.
E, até que nos encontremos de novo,
Que Deus te guarde na palma de Suas mãos.”


Mariana pediu para não ver o resto da cerimônia, e então, amparada por seus pais retirou-se do local. O choque para ela não tinha terminado, Alisson continuava com destino ignorado.
Ao chegar em casa, totalmente desfalecida, foi finalmente vencida pelos remédios.
Aproveitando o sono da filha, seu pai ligou para o delegado Reginaldo, incumbido das investigações, e perguntou a quantas andava o trabalho da polícia. Reginaldo respondeu que todo o carro fora aspirado e que teve um minucioso levantamento de impressões digitais. Contudo estas providencias só começariam a ajudar a elucidação do caso, daqui alguns dias, e que por hora, como nada de anormal foi encontrado no interior do veiculo, ele continuava “com as pernas e as mãos amarradas”. Mas afirmou entretanto, que ele e sua equipe, não estavam parados não, mas enquanto não se descobrisse pelo menos uma testemunha para o crime, a investigação continuaria meio embrionária. E terminou sua explicação confortando sr. Oswaldo, dizendo-lhe que a falta de notícias sobre o garoto, tinha que ser encarado como boa notícia.



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A empresa de Ramiro, que de agora em diante passava a ser de Mariana e seus filhos, foi na verdade herança dos pais de Ramiro.
 Sr. Olegário montou a empresa quando Ramiro, ainda era estudante de Ensino Médio. Nesta época abriu ele uma loja com o nome de Supermercado Orimar. Nome este, que foi uma homenagem feita ao seu único filho, pois Orimar nada mais é do que o nome Ramiro, lido de trás para a frente.
Logo que Ramiro terminou a faculdade  de Economia, seu pai começou a introduzí-lo na empresa, e para isto, abriu mais uma filial em um dos bairros mais populosos da cidade de Caranaíba. Esta filial ficou sob a jurisdição de Ramiro, mas ainda assim, sob a supervisão de seu pai. Logo depois, Ramiro casou-se com Mariana, que também vinha de um Bacharelato em Direito.
Sr. Olegário, para evitar que sua nora viesse a trabalhar nos ambientes de prisões federais, cadeias públicas e coisas do gênero, que em sua cabeça, eram consideradas de alto risco para uma mulher, formou o Escritório Central, onde concentrou  toda a direção da sua empresa, criando assim emprego para ela com seu diploma.
Por esta época, a fatalidade se fez duramente presente na vida de Ramiro. Dona Filomena, sua mãe, inesperadamente sofreu um ataque cardíaco fulminante e veio a falecer. Este fato teve uma forte influência na formação de sua personalidade. Ramiro se fechou em um verdadeiro caracol, tornou-se mais arredio, conversava pouco e se mostrava bastante desinteressado pela vida.
Mariana, numa tentativa de salvar seu marido e o próprio casamento,  se engravidou. Nasceu-lhes então, Wiler.
A chegada do garoto, realmente conseguiu quebrar o marasmo da vida de seu marido. Como resultado, a empresa então voltou a crescer, e mais duas filiais são abertas: uma na cidade de Cristiano Ottoni e outra na cidade de Conselheiro Lafaiete. E a firma passou-se a chamar “Rede Orimar de Alimentos Ltda.”
De bem com a vida e não tendo mais com que se preocupar, Mariana novamente se engravida, agora por descuido seu. E faltando 4 meses para o final desta sua  segunda gestação, resolveu abandonar o emprego e dedicar-se exclusivamente à criação de seus filhos. Decisão esta, que encontrou em seu sogro, machista apaixonado, um forte e ferrenho aliado.
Anderson chega ao mundo num clima de muita felicidade.
Ramiro muito motivado, passou a responder pelo Escritório Central. Sorte sua e da firma. Pois um ano depois a fatalidade voltou a fazer parte de sua vida, e desta vez, levou seu pai. Hipertenso como era, Sr. Olegário, um belo dia, caiu dentro de uma das filiais e apesar de ter sido socorrido imediatamente, chegou ao hospital já em coma. Os médicos da Santa Casa de Caranaíba tudo fizeram, mas infelizmente chegaram ao triste diagnóstico de que o paciente já estava com morte cerebral. A agonia de Ramiro se prolongou ainda por mais dez tristes e hediondos dias. Quando finalmente aconteceu a falência dos órgãos vitais e com a consequente parada dos instrumentos. Seu pai pode finalmente juntar-se à sua mãe Dona Filomena, nos verdes campos do Cemitério Jardim.
Um calvário novo começou para a pobre Mariana.  Ramiro mergulhou novamente em sua depressão, e por mais um ano e meio ela voltou a trabalhar no Escritório Central,  para suprir as faltas tempestuais de seu marido.
No final deste período ela nomeou  o sr. Cardoso, Superintendente Geral, da firma. Posto este, que na falta de Ramiro, dava a ele, amplos direitos para tomar decisões. Esta nomeação não foi impensada, não, “Seu Cardoso”,  assim que era chamado por todos os seus colegas; além de ser o mais capacitado e culto  entre os demais funcionários do Escritório, sempre gozou de muita confiança, não só no tempo de seu finado sogro, mas também no tempo de seu marido. E esta decisão, veio também em função da constatação de sua terceira gravidez.
Com o nascimento de Alisson, Ramiro mostrou-se um pouco mais aguerrido. Voltou a trabalhar em horário integral, mas todavia, jamais conseguiu sair de seu casulo particular. Conversava muito pouco e se preocupava somente com a segurança da esposa e dos filhos. Sobre a sua própria segurança, pouco se importava. E foi por este descaso, que a situação atual,  chegou no ponto em que se encontrava.



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Uma semana se passou, e a situação não alcançou nenhuma melhora. Se fosse simplesmente a morte do marido, e por ser a morte um estado sem alternativa, poderia se admitir que as coisas já estivessem começando a entrar em seus eixos. Mas o desaparecimento de Alisson fazia tudo ficar da mesma forma.
Mariana continuava sob fortes medicações. Seu pai, mantinha-se em contato constante, com o delegado. Nenhuma exigência  externa de possíveis sequestradores, havia acontecido. E este último argumento, era uma alternativa que a policia esperava que acontecesse: o pedido de pagamento de um resgate.
O delegado por sua vez, através das impressões digitais, havia localizado o dono do veiculo Gol e seus familiares. O qual, já havia feito a denúncia do roubo, um dia antes do dia do crime e a polícia já havia comprovado o paradeiro dele e o de seus familiares, com relação ao dia fatídico. Da aspiração feita no veiculo, uma parte dos fios de cabelos encontrados, foram descartados, pois no exame de DNA comprovaram ser do proprietário e também de seus familiares. Apenas uns poucos fios, ficaram sem comprovação. E estes, era na verdade tudo o que a policia tinha, para continuar procurando os criminosos. Enfim,  continuava sem rosto, sem nome e sem sexo, os verdadeiros criminosos ou simplesmente criminoso.
Depois da missa de sétimo dia a polícia começou a chamar todos os funcionários da firma, para um minucioso interrogatório. A vida pregressa de Ramiro começou a ser investigada a fundo. Sua mesa no escritório da empresa, foi objeto de uma completa varredura. Suas contas bancárias, tiveram seus sigilos quebrados. Fotos de Alisson foram espalhadas na televisão e nos jornais. Até em saquinhos de leite, a família pagou para que fosse neles, estampada.
Mas nada disto adiantou. Ninguém viu ou ninguém quis falar. O certo mesmo, é que a policia sem suspeitos, não tinha como chegar a nenhum criminoso. E sem um pedido de pagamento de resgate, não tinha como vincular o caso a nenhum sequestrador.



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Uma semana também se passou para o pequeno Alisson.
Acostumado a mamar leites considerados fortes e a fazer refeições à base farta de legumes cozidos em meio à carnes, era visível a diferença que ele agora apresentava, depois de passar uma semana mamando goma de arroz, entremeada com chá de galhos de funcho ou chá de erva doce, somados a um litro de leite, em todo o decorrer de uma semana inteira.
Alzira fazia o que podia. Hoje, domingo, ela saiu cedo e foi fazer feira, visto que pelo calendário semanal, esta feira se realizava na rua Ernani Nogueira, no bairro da Ponte Alta.
E ela ia de banca em banca, olhando dentro dos caixotes de lixo, em cujos quais, os donos das bancas atirava os legumes excluídos. Apenas naquelas em que nada encontrava, é que arriscava pedir. E conseguia. Só Deus sabe como conseguia. Ouvia muitos insultos e xingamentos, mas também experimentava às vezes, o carinho de algumas pessoas.
E hoje quando voltava, com o sol já a pino, com ela vinha também algumas frutas, umas boas e outras semi-estragadas  e alguns legumes.
Na chegada encontrou Firmino com o Alisson no colo e seus dois filhos brincando do lado de fora da casa.
Durante à tarde daquele dia, Firmino construiu aquilo que os ricos chamam de “chiqueirinho”, para que o neném pudesse dar descanso para eles. E pegando então restos de tábuas e alguns pregos, fez um cercado onde de dia era colocado do lado de fora do casebre, e de noite, do lado de dentro, e nesta segunda locação, funcionava como berço.






            Capitulo 04




Doze anos separam agora os personagens deste “teatro”, daquele trágico dia em que Ramiro fora assassinado. E os que não abandonaram o palco, sofreram às muitas mutações que o mundo tratou de efetuar.
A família de Firmino teve que mudar da orla do lixão, desde o dia em que Toím foi picado por uma cobra, nas imediações da  porta do casebre de tábuas. E ao ser levado para o pronto socorro de Caranaíba, as autoridades proibiram que eles retornassem para aquela casa. Toím, assistido à tempo, sobreviveu à cobra, e quando obteve alta, já foi morar debaixo do viaduto, onde sua família já se encontrava alojada.
O lixo da cidade passou a ser reciclado por uma companhia. Daí, a renda que eles obtinham oriundas dali, acabou. Quando Alisson atingiu seus seis anos, começou a sair junto com Nando, que estando com onze, desde os nove já saia para pedir esmolas nas ruas da cidade. Toím, que nesta época estava com13, arranjou um sub emprego de lavador de carros, mas influenciado por “amigos”, desviava boa parte do dinheiro que ganhava para consumir drogas. Firmino continuou na sua rotina de catar latinhas de cerveja e papelões, pois era a única coisa que sabia fazer.
Quando Alisson atingiu a idade de nove anos, um assistente social da prefeitura, ao visitar a família ali debaixo do viaduto, coagiu Alzira a colocar seus filhos na escola publica, sob a alegação de que além de estudar, a família ainda poderia contar com a renda de 15 reais por filho, quantia esta que o governo brasileiro pagava mensalmente, através do diretor da escola.
Definitivamente, Toím recusou-se a se matricular. Nando até que tentou, mas depois de três meses, não voltou mais. Dos três garotos, somente Alisson frequentava a escola. E hoje, com treze anos já estava no quarto ano do primeiro grau. Nando, hoje com dezoito, por sua vez, ocupou a vaga de Toím no lava-jato. E Toím, agora com vinte anos, estava seriamente comprometido com uma gang na favela do Pau Grande, situada na periferia da cidade, mais para os lados das cidades de Cristiano Ottoni e Carandaí.
Para Alisson se matricular na escola, o Juiz de Menores da cidade, teve que iniciar um processo para registra-lo no cartório, uma vez que nem nome ele possuía. E então,  depois de alguns dias, dona Alzira, hoje com quarenta e seis anos, foi buscar sua certidão de idade no juizado, e esta lhe foi entregue, com o nome de José da Glória. Pois, uma vez que nem dona Alzira e nem o sr. Firmino, hoje com cinqüenta e quatro anos, nunca tiveram seus registros e muito menos sobre-nomes, o sobre-nome colocado no garoto, foi em homenagem à padroeira da cidade: “Nossa Senhora Da Glória”, que é venerada na Matriz Histórica de Caranaíba, hoje funcionando só como museu.
Em função do aumento da renda per capta da família, Alzira forçou a barra e conseguiu que fosse feita uma “vaquinha” entre os filhos que já trabalhavam, e desta forma, conseguiu alugar uma casinha simples com dois quartos, na Rua Álvaro Horta Filho, nº 1150, no extremo da cidade, perto da rodovia Hamilton de Albuquerque, que hoje já asfaltada, une as cidades de Caranaíba e Capela Nova.
E Alisson hoje ao chegar em casa, retirando às pressas o uniforme do colégio, sentou-se à mesa para almoçar. Dona Alzira que já o esperava,  sentou-se também para almoçar com ele.
O garoto estava muito alegre e radiante, só pensando na história que sua professora Dona Eugênia,  havia contado na sala de aula. E não se contendo, falou para sua mãe.
--- Sabe mãe... a minha professora contou uma história hoje para nós, que eu achei muito engraçada. E ela falou que isso acontece muito nos dias de hoje.
--- É?... intão conta pra mim.  --- Disse dona Alzira.
--- Ah!... ela é grande... e depois eu não sei se eu decorei ela toda, não.
--- Uai! Ném... conta o que ôcê sabe. --- Retrucou dona Alzira.
--- Ô mãe... a senhora precisa parar de me chamar de Ném... o meu nome é José... pelo menos Zé, né?
--- A vida toda te chamei de Ném...  e num é só eu não... o Nando, o Toím, o Firmino... todos só fala Nem...
--- Tá bom mãe... eu não vou mais falar nisso não... dizem que pau que nasce torto, morre torto... Mas... como eu estava falando, a história que a dona Eugênia contou, é mais ou menos assim: Chama-se A ÁGUIA DOURADA. Quem escreveu foi um tal de Anthony Demello.  É mais ou menos assim: “Certa vez, um homem achou um ovo de águia e colocou-o no ninho de uma galinha que estava chocando, no quintal da casa dele. Aí, águia nasceu junto com uma ninhada de pintinhos e com eles, ela  cresceu. Supondo ser uma galinha, cacarejava e ciscava o chão à cata de minhocas e insetos. Distendia suas asas e voava a alguns palmos do chão, como toda boa galinha faz. Bom aí mãe, passaram-se os anos e a águia envelheceu. Um dia, ela viu um soberano pássaro nos ares, voando com graça e majestade. A velha águia então olhando para cima, deslumbrada com o que via, perguntou à sua colega.
--- O que vem a ser aquilo... que pássaro é aquele? 
--- É uma águia, a rainha das aves - respondeu-lhe a interpelada.
---  Não seria maravilhoso se nós também pudéssemos voar assim?
--- Nem pense nisso - retrucou a outra. - Você e eu somos galinhas...
Disse a Dona Eugênia, que a águia nunca mais pensou no assunto. Viveu e morreu na certeza de que era uma galinha... A senhora já pensou. Que azar que esta águia deu? Se o homem deixasse o ovo no lugar que ele o achou... a vida dela seria uma outra vida, e talvez,  bem melhor do que aquela que estava levando, não é?
--- É... --- disse dona Alzira--- má isso é isagêro...
Quando Alisson acabou sua história, acabou também sua refeição. E levantando-se da mesa, disse para sua mãe.
--- Bem mãe... a senhora reza pra mim, aí... que se eu tiver sorte, eu faturo hoje uns trôquinhos. 
Falando assim passou a mão nem sua caixa de engraxar sapatos, juntamente com um pequeno banco de quatro pés, e foi para o seu ponto diário.
Pegar um lotação nem pensar, dinheiro para isso nunca tinha. Com sua caixa nos ombros, subiu a rua da sua casa, atravessou todo o centro da cidade e depois descendo a avenida Professora Maria Fortunata, passou defronte a Catedral dos Anjos e foi para o centro do bairro “Horácio Lopes”, onde, no espaço compreendido entre uma das muitas portas de vidro do Hiper-Mercado Orimar e uma das  portas do seu estacionamento,  todo dia ele ganhava seu rico dinheirinho.
 Pode até ser uma ironia do destino a escolha deste ponto de trabalho, mas na cabeça do menino só passava a idéia de trabalhar em um lugar, onde houvesse um fluxo maior de pessoas.
Ali naquela região ficava muitos profissionais autônomos, tais como: Carrocinhas de pipocas, de algodão doce, de hot-dog, carregadores e engraxates. Digo engraxates, porque havia um outro garoto da mesma idade de Alisson, de nome Mário, que fazia ponto ali também. E entre os dois não havia concorrência. Eram amigos.
Alisson chegava neste local, colocava seu tamborete encostado no vidro da loja e a caixa logo em frente ao mesmo, e saia convidando as pessoas que entravam e saiam do estabelecimento, da mesma maneira que seu amigo também fazia.
Se sua mãe rezou, ou não, eu não sei. Mas no fim da tarde, já quase noite, ele colocou sua caixa em cima do tamborete, num sinal de que seu dia de trabalho havia terminado, e entrou na loja para fazer umas compras com o dinheiro que havia ganho.
Foi direto para o açougue. Enfrentou uma fila enorme para comprar ½ kg de acém. Depois, pegou um saquinho de 250g de café na prateleira, e pediu na seção de cereais, que pesassem para ele 2 kgs de arroz.
Chegando em casa, entregou a sua mãe as compras que fizera e o resto das moedas que sobraram.




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Já Mariana, hoje com quarenta e nove anos, nunca se conformou com o desaparecimento de Alisson. No princípio, só dormia com ajuda de psicotrópicos, mesmo assim depois de chorar muito. Mas depois, após um longo tratamento com psicólogos, ela conseguiu absorver o episódio da perda do filho, associando-o a uma possível adoção. Isso não explicava e nem justificava nada, mas entretanto, fazia com que ela pudesse conviver com a situação.
 Quando conseguiu sair deste quadro depressivo e agudo, assumiu a direção das empresas, junto com o “seu” Cardoso. Esta decisão, apesar de contrariar seus pais, com o tempo se comprovou ter sido um dos fatores mais importantes da sua recuperação. Pois preenchendo seus dias com o trabalho, tirava sua mente das recordações amargas.
Hoje, quando lembra do garoto ou, quando vê um garoto na rua, ainda chora. Mas como passa seus dias no Escritório Central, pouco vê situações iguais as que descritas acima.
Seus pais, sr. Oswaldo com seus quase oitenta anos, e sua mãe,  apenas cinco anos mais nova que ele, já não mais saiam de casa. Quando muito, só para irem a missa na Catedral, e aos domingos, para almoçar na casa da filha.
Wiler saiu ao pai, menos calado, mas muito responsável. Estes anos todos, mesmo quando ainda era criança,  estudava pela manhã e à tarde, ajudava sua mãe nas tarefas do escritório.
Hoje, contrariando toda sua natureza, se mostrava bastante alegre, por ter recebido a notícia de que havia passado no vestibular para Direito.
Já Anderson, não conseguiu desassociar-se da ideia de que a morte de seu pai, estava ligada ao fato dele ter sido dono de uma grande empresa. Seu subconsciente jamais aceitou a firma.
 Aos “trancos e barrancos”, se formou no ginásio. E há  mais ou menos dois anos, se dedica única e exclusivamente à pesquisa de História. E por falar nisso, ele já estava com um trabalho muito bonito e sério, que desmente totalmente a história que tinha ouvido falar:  “ que as marcas de projéteis que existem nos sinos das torres da Matriz Histórica de Nossa Senhora da Conceição, da cidade de Conselheiro Lafaiete, não haviam sido feitas em luta contra os índios Carijós, mas sim, pela resistência das Tropas Liberais, sediadas em Queluz (antigo nome de Conselheiro Lafaiete), contra as Tropas Conservadoras, comandada por Duque de Caxias, na revolução de 1842”.
Baseado neste interesse do jovem Anderson, Mariana procurava estimulá-lo,  comprando todos os livros que ele pedia. Esperava ela pacientemente, que um dia, quem sabe, vendo tantas injustiças cometidas ao longo da história, ele resolvesse sair de seu casulo e tentar a faculdade de Direito.



              
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Eram mais ou menos três horas da tarde, de um dia de verão bem quente, quando um carrão importado estacionou em uma das vagas reservadas para a diretoria, no estacionamento do Hipermercado Orimar, do bairro “Horácio Lopes”.
 O jovem Wiler desceu e seguido pelo seu segurança, o velho Severino, que fora segurança de seu pai e  entraram na loja.
Wiler já era conhecido daquele pessoal que ficava por ali. Não quero com isso afirmar que havia qualquer relação de amizade entre eles, mas todos, sem exceção, já o conhecia. Pois duas vezes por mês, em dias não marcados, Wiler comparecia para avaliar o desempenho da loja, à pedido de sua mãe.
Embora tivesse todo este status próprio de um homem rico, o rapaz não era esnobe, aliás, pelo contrário, era muito simples. Mas por “regras empresariais” que as vezes não entendemos muito bem, ele tinha que manter uma certa distância, para não ser envolvido.
Sentado em sua mesa, no escritório da gerência, Wiler fiscalizou um pilha de papéis que ordenados, foram colocados à sua frente. Fez algumas perguntas de ordem organizacional ao gerente da loja, da forma que sua mãe havia lhe instruído. Assim que terminou sua vistoria, chamou um dos funcionários que trabalhava ali, e pediu que chamasse um engraxate, daqueles que ficavam lá fora, pois queria que seus sapatos fossem engraxados.
O funcionário saiu e voltou trazendo o Alisson. Fatalidade, ironia, também não. Apenas coincidência, pois naquele exato momento, dos dois que atendiam ali, Alisson era o que estava sem freguês.
Chegando, o garoto colocou sua caixa no chão e sentando na extremidade dela, começou seu trabalho.
Wiler vendo a destreza do menino, começou a conversar com ele.
--- Como você se chama? Perguntou.
--- José...  José da Glória. Respondeu Alisson, sem parar de trabalhar.
--- Humm!... e quantos anos você tem?
--- Treze... isto é... quase catorze.
--- Ah!  é? --- Wiler sorriu, e continuou perguntando --- ...e irmãos?... Pai?
--- Tenho dois irmãos... e tenho pai também. E se o senhor precisar, meu irmão trabalha num lava-jato e pode caprichar no carrão do senhor.
---  Quando precisar, vou lembrar-me dele... e seu pai?... onde trabalha?
--- Meu pai trabalha na rua. --- Alisson. continuou respondendo sem desviar seus olhos do trabalho. De vez em quando batia na caixa com a escova, para que Wiler trocasse o pé.
--- Como assim, na rua? Indagou Wiler, dando uma risadinha, manifestando assim sua apreciação pelo  extrovertimento do garoto.
--- Ah!... ele cata lata de cerveja e papelão... depois vende tudo no ferro velho.
Desta vez  Wiler não achou graça da resposta, não. E com pena do menino, quis saber mais. --- E ele cata muito?
--- Ah!... ele tem as manhas... sabe onde catá... mas ultimamente eu tenho feito mais que ele, engraxando... tem muita gente desempregado lá fora...
--- Você estuda? Continuou Wiler.
--- Lá em casa eu sou único que estuda... meus irmãos não quiseram, não.
Enquanto Alisson terminava o trabalho passando a flanela, Wiler fez sinal com a mão para que o gerente se aproximasse e falou com o Alisson:
--- Olha aqui José... fala com seu pai, para todo dia vir aqui e procurar o Sr. Leandro, este aqui ó... --- falou isso colocando a mão no gerente, e continuou, agora falando mais diretamente ao sr. Leandro. --- nós temos o deposito de papelão... abre uma exceção para o pai dele... e deixe que ele pegue toda manhã, uma carga no depósito.
--- Mas Wiler... e sua mãe?... --- interrogou o gerente. --- ... e se ela não concordar.
--- Deixe ela comigo... eu vou comentar com ela esta nossa decisão. Certo?
Falando assim, Wiler tirou do bolso uma cédula e dando-a ao garoto, mandou que ficasse com o troco.
 Alisson, agradecido, pegou logo sua caixa e disse, sorrindo e beijando o dinheiro.
--- Obrigado patrão... precisando... é só mandar  me chamar.
Depois disso, saiu da sala e voltou para seu lugar de trabalho. Mas a alegria com que chegou, foi logo motivo para que Mário perguntasse.
--- Pela sua cara, você deve ter ganhado uma grande gorjeta?
--- Hein!?... ãm ?... ah! é...ganhei sim... mas não é esse o motivo da minha alegria, não... --- e sentando no seu banco, continuou falando --- sabe o que é, Mário?... a gente vê o chefão chegando e saindo da loja naquele carrão, e a gente sempre fala que ele deve ser muito “metido”... mas pôxa... ele até que é simples demais... ele me tratou muito bem... conversou comigo, como se eu fosse um amigo dele... sinceramente, quando eu vi ele assim de perto... fiquei pensando... novo em idade, e já é praticamente o dono desse gigante... pôxa... é... tem gente que nasce com o “butão pra lua”, e outros com a “lua no butão”... este deve ser o nosso caso... Você já parou para imaginar se este supermercado fosse seu?
--- Ah! José... eu não... pensar isto não vai ajudar em nada?
--- Tudo bem... eu sei que não ajuda em nada... mas de vez em quando eu penso... sei lá... acho que isso não faz mal, não.
E a chegada de mais um freguês para o Mário, interrompeu a conversa dos dois.





                   Capitulo 05



A partir daquele dia em que Alisson engraxou os sapatos de Wiler,  todas as manhãs, o sr. Firmino comparecia ao Hiper-Mercado e lá na seção de embalagens, lotava seu carrinho com papelões para vender no ferro velho costumeiro. Esta ajuda que a princípio começou a facilitar sua vida, com o passar dos dias, virou um inferno. Pois em vez de procurar aumentar a sua renda, trabalhando o dia inteiro como sempre o fazia, sr. Firmino começou agora, a malandrar na parte da tarde. E como uma mente ociosa, sempre foi oficina para o diabo, ele agora aproveitava as tardes para beber.



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Foi numa quinta-feira, mais ou menos por volta das dez horas da manhã, que Reginaldo, o Delegado de Polícia de Caranaíba, se anunciou para a secretária de Mariana ante à sua mesa, na sala do Escritório Central.
--- Bom dia senhorita. Sou delegado de polícia da cidade, e preciso ver a sra. Dona Mariana, com certa urgência.
--- Pois não... o senhor já marcou esta entrevista, ou ela se tornou urgente agora.
--- Exatamente... eu não a marquei com antecedência, mas entretanto, necessito vê-la agora.
--- Tudo bem... o senhor aguarde só um momentinho, que eu vou lá para ver se ela pode recebe-lo agora.
 Não demorou muito e o delegado foi introduzido na sala da empresária. E esta por sua vez, se levantando de sua poltrona giratória, foi ao seu encontro.
--- Como vai doutor?... entre por favor... --- Mariana estendeu sua mão para cumprimenta-lo e ambos trocaram os dois ósculos da etiqueta, ainda na entrada da sala.
--- Bom dia Dona Mariana, e a senhora, como vai?
--- Com a Graça de Deus, a gente vai levando a vida... --- Respondeu a empresária e apontando para o jogo de sofás da sala, completou --- mas vamos nos assentar, para que possamos conversar mais a vontade.
--- Bem, Dona Mariana... disse o delegado, enquanto se ajeitava no assento da poltrona --- a senhora deve saber que o caso do seu marido, bem como o de seu filho, nunca foram por nós, definitivamente arquivados. O que na verdade acontece com estes casos, é que por falta de elementos esclarecedores, eles acabam por ficar num eterno estado de  stand-by, podendo a qualquer hora, voltar à rotina do nosso dia a dia.
--- Ô meu Deus... o senhor encontrou o meu filho? Perguntou ela aflita.
--- Não... Dona Mariana... infelizmente, ainda não. O motivo desta minha visita é simplesmente para colocá-la à par dos últimos acontecimentos.
--- Como assim?... --- indagou ela.
--- A história é longa, mas eu tentarei ser o mais sucinto possível. Neste final de semana, prendemos um marginal que estava metido em roubos de carros, aí na cidade. Bom... é rotina, pelo menos em minha delegacia, sempre que possível, tentar associar os novos detentos, aos crimes que ainda estão sem definições. Isto nós o fazemos, no momento que efetuamos as interrogações de praxe, com o intuito de provocar o surgimento de alguma pista nova... em alguns casos, eles mesmos, os criminosos,  ao se defenderem, nos dão as pistas que estamos precisando para resolver tais casos. E no caso em questão, este sujeito detido neste final de semana, confessou que havia participado do sequestro do seu marido.
--- Ah! doutor... e ele sabe onde o Alisson está?
--- Vamos com calma... Dona Mariana. Ele apenas disse que eles eram em três. O que dirigiu o carro no dia, já está morto. Morreu em um tiroteio com outra gang, há uns dois anos. O que atirou acidentalmente no seu marido, na verdade já se encontrava preso com a gente, cumprindo pena por roubo apenas. Mas agora ele será indiciado novamente e voltará certamente a júri, e certamente, será condenado pelo assassinato cometido... agora, quanto ao menino, ele disse que não quiseram levá-lo junto com o pai para o cativeiro, pois poderia colocar em risco todo plano. E obrigaram seu marido a abandoná-lo, lá no meio do Bosque Municipal.
--- Então alguém o pegou. --- concluiu ela.
--- É o que eu acredito... alguém, que não sabemos quem, pode muito bem estar agora  criando-o, como se fosse uma criança abandonada.
--- Mas a cidade não é tão grande assim... se ele estivesse por aqui, alguém já o teria descoberto --- Disse ela.
--- Bem... eu como policial, tenho que acreditar em todas as alternativas. Por isso vim aqui, e acho que a senhora devia contar esta história para todos  os seus parentes e empregados... quanto mais gente souber, mais chances a gente tem de descobrir o seu paradeiro...
--- O senhor tem razão... para Deus nada é impossível.
--- Bem, Dona Mariana... eu já estou de saída... não pretendo tomar o tempo da senhora,  apenas advogando conjecturas. --- Disse o delegado, se levantando.
--- Mas ainda é cedo... --- disse ela, também fazendo o mesmo, e completando a seguir. --- o senhor me perdoe... eu fiquei tão confusa, que esqueci de mandar lhe servir um café.
--- Muito obrigado... o café fica para outro dia, não se preocupe.
Dizendo isso, Reginaldo despedindo, se retirou.
Mariana, foi para a janela do seu escritório e segurando a longa cortina com uma das mãos, ficou ali olhando a cidade e se perguntando.
--- Será possível, meu Deus? Será possível que o Alisson está vivendo em algum canto desta cidade?



               ************



No dia seguinte, sexta-feira, Nando estava jogando água debaixo de um Gol lilás, que por sua vez estava no elevador de carros do lava-jato, quando ouviu uma voz atrás de si.
--- Ôi Nando.
--- Oi Toím... --- Cumprimentando seu irmão, Nando largou sua tarefa e se aproximou.
--- Tudo bem?... --- Falou Toím, sem sair de cima daquela moto toda cheia de brilho prateado.
--- Cara!... onde ocê arrumo esta maravia?. --- disse Nando, completamente embevecido com a beleza daquela máquina.
--- Eu comprei ontem... eu num disse qui ôcê tava perdendo tempo aí?
--- Nossa!?, malandro... coisa fina, mêmo.
--- E em casa?... a mãe, o pai, o Nem? --- Perguntou Toím.
--- Tá legal... --- disse o irmão, voltando à realidade. --- a mãe é que tem perguntado pro cê... tamém ocê sumiu.
--- Diz pra ela qui eu tô bem... --- e enfiando a mão no bolso, tirou um dinheiro e estendeu para o Nando, depois continuou. --- aqui tem grana pra três méis de alugué do barraco... eu vô pricisá disaparecê um tempo.
--- Pru quê?... ocê aprontô arguma? --- Indagou Nando.
--- É... eu cansei de sê mula...
--- Oia lá... num brinca cum esses caras, não...
--- Num tem pobrema não... é questão só de tempo... despois eles esquece.
--- Toím, Toím... é mió sê pobre vivo, quê rico morto.
--- Eu sei o qui tô fazendo... mas agora eu vou sumi daqui por uns tempo... diz pra mãe que daqui uns dois mèis, eu apareço de novo.
E falando assim, deu com o pé no pedal de arranque da moto e abrindo o acelerador, saiu fazendo aquele barulhão.
Nando colocou o dinheiro no bolso, abriu novamente a água e retornou ao trabalho. 
E até à tardinha, quase noite, daquele dia, hora em que saiu para sua casa, teve que lavar mais de dez veículos, entre eles, dois caminhões.
Alisson também teve um dia muito proveitoso. Todo Inicio de mês, aumentava em muito o fluxo de pessoas na loja. E em conseqüência, aumentava também em muito os clientes que gostam de ter seus sapatos engraxados.
E às dez horas da noite, bastante exausto, já retornava ele levando sua fiel caixa de engraxar no ombro e uma comprinha de alguns víveres, que havia feito no próprio hipermercado.
Ao chegar no cruzamento da avenida Professora Maria Fortunata com a rua Geraldo Amorim, cruzamento este, por sinal muito perigoso, o menino não percebendo um veiculo em alta velocidade que se aproximava daquele ponto, é atropelado por ele.
Para sorte do garoto, o carro bateu contra a sua caixa de sapatos e freiou de pronto. A caixa por sua vez, se desmanchando com a batida, absorveu parte do choque. Contudo, a força resultante do binário, arremessou-o para trás, em direção à calçada. E em sua caída,  ele  bateu com a cabeça no meio fio e desmaiou.
O tresloucado motorista bateu em retirada. E para dificultar a sua identificação, apagou todas as luzes do seu veículo. Esta atitude, impossibilitou a anotação de sua placa, pelos populares.
O socorro para Alisson veio então da parte dos transeuntes,  que por ali se encontravam naquele momento. Ele foi colocado num carro e levado às pressas para a Santa Casa de Caranaíba. No anexo do pronto-socorro ele foi  atendido. Ainda assim, demorou um bom tempo para voltar do desmaio. Quando por fim, conseguiu voltar,   ainda permaneceu meio “grogue” por um tempo.
O médico de plantão fez a assepsia dos  ferimentos visíveis que ele tinha. Um na cabeça, que era o mais sério, e outro no abdome, provocado pelas tábuas e pregos da caixa. Por causa do ferimento da cabeça, embora não chegando a ser nenhum traumatismo craniano, não lhe foi permitido sair de dentro do hospital. O doutor, alegando ser um local muito melindroso, mandou que ele permanecesse por mais umas horas, somente para observação.
A recepcionista quis telefonar para sua casa e tranquilizar sua família, mas Alisson alegou que não existia telefone perto de sua casa e além do mais, ele não queria incomodar sua mãe.
Às três horas da madrugada, o médico chamando-o outra vez, fez mais um minucioso exame em todo o seu corpo. Paralelamente, também, foi perguntando coisas simples e de fácil raciocínio, tais como: como se chamava o seu pai; quantos anos tinha; quanto era dois mais dois; etc.
Terminando o exame que felizmente não detectou nenhuma anormalidade, recomendou que ele voltasse na parte da tarde ao Pronto-socorro,  para tomar uma série de injeções para combater o quadro de inflamação que iria se estabelecer nele, e liberou-o.
Uma ambulância foi chamada, e Alisson entrando nela, pode então finalmente ir para casa.
 Quando o veículo entrou na rua Álvaro Horta Filho, local onde ficava sua residência, deu para notar a presença de uma viatura policial com suas lanternas de alarme acesas e girando no teto, estacionada no final da rua. Junto a ela, várias pessoas.
Alisson que estava sentado na frente junto com o motorista, firmou suas vistas e disse:
--- Parece que é na minha casa.
--- Você mora naquela região? ---Perguntou o motorista.
--- Sim...
E à medida que a ambulância se aproximava, agora mais devagar por causa do movimento intenso de pessoas, o garoto foi ficando  mais inquieto, e por fim exclamou.
--- É sim... a polícia está na minha casa.
E logo que ela se estacionou, ele desceu rapidamente e gritando por sua mãe, correu para dentro.
Na porta, um policial mais atento o parou. E pegando-o no colo com muito esforço, tentava neutralizar sua força. E gritando muito por seu pai e sua mãe, o menino foi colocado dentro da viatura da polícia, para ser acalmado.
--- Calma meu filho... nós precisamos conversar um pouco. Disse o homem da lei.
--- O quê que está acontecendo?... por quê eu não posso entrar em minha casa? Perguntou o menino, em meio a um choro desmedido.
---  Procure se acalmar... você nada pode fazer agora. --- Respondeu o guarda num tom paternal.
--- O que o senhor quer dizer com “ eu não posso fazer nada”? --- perguntou Alisson muito assustado e parando de chorar de repente.
---  Olha meu filho... de qualquer jeito você vai acabar sabendo o que aconteceu... não importa se agora ou mais tarde... o certo é que alguém terá de te contar... e... e parece que desta vez eu fui o sorteado... seja o que Deus quiser. Escute aqui garoto, ali dentro daquela casa tem três pessoas mortas.
--- São meus pais e meu irmão... me deixe sair daqui. --- E falando assim Alisson partiu para cima do guarda, fazendo força para sair do carro.
--- Não posso deixar você entrar lá... por favor entenda meu filho. --- disse o policial.
Neste momento chegou o motorista da ambulância, que resolvera não partir até descobrir o que tinha acontecido. E vendo a dificuldade do guarda, perguntou:
--- Precisa de ajuda amigo...
--- Sim... vá até lá dentro e chame o delegado Reginaldo pra mim.
Chegando o delegado, chegou também o repórter do jornal  “O Caranaibano”, e este, ao saber da presença do menino na viatura, tratou logo de tirar algumas fotos dele.
O delegado olhando para o garoto, disse para o guarda.
--- Este garoto não pode ficar aqui, não. Leve-o para o juizado de menores. Lá tem psicólogos e na certa saberão o que fazer com ele.
Alisson já nem se lembrava mais que estava machucado. A dor que sentia por dentro, era como se uma espada a lhe rasgasse o peito. Já não tinha controle sobre seus sentidos. Em seus pensamentos só a presença de sua mãe, de seu pai e de Nando. Quanto a Toím, ele sabia que ele não dormia em casa, há dias.




          Capitulo 06



Alisson ficou na sala do juizado aguardando a chegada de um psicólogo e a do próprio juiz, que foram chamados. Não posso dizer que estava mais calmo, contudo, chorava sem fazer muito alarde. De vez em quando fazia uma pergunta ao guarda que o havia trazido, e lhe fazia companhia, naquela sala.
--- Quem os matou?... e porque fizeram isso?
--- Ainda não sabemos. --- Disse o guarda.
--- Porque eu não posso ir lá?... é a minha família.
--- Sobre isso... eu posso te dizer que é para o seu próprio bem, filho.
--- E o que vão fazer comigo?
--- Não se preocupe... o Juiz vai arranjar um local bom para você ficar. Eles tem muitas instituições que cuidam de meninos órfãos.
Um barulho de portas batendo, anunciava para os dois que o juiz e o psicólogo acabavam de entrar no prédio. Minutos depois eles entravam na sala. Com a chegada deles, o guarda se despediu e foi embora. O Juiz então mandou que o profissional que trouxera consigo, começasse a trabalhar a cabeça do garoto.
O psicólogo ficando a sós com ele, conversou por longo tempo. Neste bate papo procurou levantar sua alta estima, que estava muito baixa. Mostrou também para ele que a mão de Deus, apesar das aparências contrarias, na verdade mesmo, estava do lado dele, pois se não tivesse acontecido aquele atropelamento de que fora vitima, ele bem que poderia agora estar também morto. Falou das instituições de menores. Mostrou o carinho com que eles tratam estas instituições. Falou do futuro promissor que tem os garotos que moram nestas instituições. E etc.
Mas Alisson à medida que o ouvia, ia em seu interior fazendo seus próprios planos. A conversa do psicólogo podia até ser verdade, mas o que ele já havia ouvido falar destas instituições, não as tornavam um lugar onde ele gostaria de morar. E se definiu por fugir na primeira oportunidade que tivesse.
E ela não tardou a aparecer. Duas horas depois que o juiz tinha chegado, o psicólogo julgando ter acalmado o garoto, saiu para ir ter com o meritíssimo e resolver com ele, o destino do garoto.
Foi nesta hora que Alisson, saindo pé ante pé, ganhou a porta da rua, e desapareceu daquela área.
Depois de vagar muito pelas ruas, sempre preocupado com a polícia, resolveu ir até a Igreja de Nossa Senhora da Glória, que sendo ela um museu, ali, jamais eles pensariam em procurá-lo no dia de hoje.
Eram sete e meia da manhã, quando Alisson se viu subindo os degraus daquela escadaria feita em pedra sabão. Chegando em cima, no topo, no início do adro, viu que a porta da igreja estava fechada.
--- É cedo ainda...--- disse para si.
Mas voltar não devia, por isso preferiu então sentar num daqueles bancos esculpidos na pedra sabão, que rodeia todo o adro, e colocar sua cabeça em ordem.
Por ali ficou um bom tempo. Pensou no pai, na mãe e nos seus irmãos: um estava morto e o outro, desaparecido. Chorou baixinho.
Depois de alguns minutos começou a conjecturar sobre a sua situação. Ir no enterro e se despedir deles, nem pensar, pois certamente seria agarrado pelo juiz. Voltar em casa, nada ia adiantar, pois nem moveis direito lá tinha. A caixa de engraxar sapatos, além de ter sido destruída, o que havia dentro dela, igualmente sumido. Em resumo, continuar morando em Caranaíba era arriscado, mais dias, menos dias, seria encontrado e encaminhado para uma instituição qualquer. Enfiou a mão no bolso e retirou o troco que havia sobrado das compras que tinha feito ontem, lá no Hipermercado. E contando o dinheiro, exclamou:
--- O que tem aqui, dá para uma passagem de ônibus!...
Mas logo depois mudou de ideia, pois não ia conseguir embarcar em nenhum ônibus, por ser menor de idade. Diante disto, só restava uma saída - O caminhão do supermercado.
--- Isso mesmo... --- disse ele. ---- se os motoristas não souberem ainda do acontecido, poderei conseguir uma carona para sair daqui.
E continuando a falar consigo mesmo, tomou a decisão.
--- Só tenho que ir lá para o estacionamento e ficar escondido no meio dos carros, até surgir uma oportunidade de falar com um dos motoristas... afinal eu conheço quase todos.
E assim então fez. Evitando transitar pelas ruas e avenidas principais, em pouco tempo alcançou o estacionamento do Hipermercado Orimar, no bairro Horácio Lopes. Ali em meio àquela enorme quantidade de carros estacionados, ficou fácil passar desapercebido.
Do lugar onde estava, dava para acompanhar o movimento de carga e descarga dos caminhões, no terminal. E lá pelas onze horas, notou que um dos  caminhões da frota da loja, tinha encostado para carregar. Só aí então resolveu se aproximar. Mas para sair do estacionamento, tinha que passar perto da banca de jornais. E vendo então todos os matutinos do dia, presos numa corda, e cada um com a sua primeira página aberta, lembrou de dar uma olhada no Caranaíbano, para ver o que ele falava. E assim como quem não quer nada, foi passando por um, por outro, e parou em frente ao tablóide que queria olhar. E em baixo, uma manchete dizia: “CHACINA EM CARANAÍBA”. E o texto, embora pequeno, era bastante enfático. “ Família é exterminada por gang de tráfico. Segundo o Delegado Reginaldo que atendeu ao chamado, todos os indícios encontrados na casa, leva a policia a suspeitar que os crimes foram cometidos por vingança. Foram mortos uma mulher conhecida por Alzira, seu companheiro Firmino e seu filho Nando. O fato ocorreu no final da Rua Álvaro Horta Filho, 1193, mais ou menos por volta das duas horas da madrugada deste sábado.”
Alisson sentiu aquela dor no coração, apertou os lábios para não chorar, baixou a cabeça e saiu para o lado, afim de restaurar novamente seu ânimo. Ficou ali por um momento, depois então, dizendo para si mesmo que não podia falhar, rumou para o lugar onde se encontrava o caminhão.
Postando então ali, ficou no aguardo do aparecimento do motorista. Quando este chegou trazendo um pacote notas fiscais, Alisson então o interpelou:
--- Ôi Rodrigues... tudo bem?
--- Tudo bem, Zé. --- Respondeu o motorista, sem contudo  parar para lhe dar atenção. E quando abriu a porta da cabine para colocar o tal pacote de notas no porta-luvas, Alisson que vinha logo atrás, arriscou.
--- Você vai viajar Rodrigues?
--- Sim... vou. Eu vou a Lafaiete.
--- Puxa vida... eu queria tanto conhecer Lafaiete.
--- É... Lafaiete é maior do que Caranaíba... bem maior.
--- Você volta quando?
--- Hoje mesmo... no máximo, lá pelas cinco horas da tarde, já quero estar aqui.
--- Puxa vida... Rodrigues... e eu nem precisava pedir à minha mãe, para deixar eu ir, porque eu sempre chego em casa às dez da noite.
--- Bem Zé... mas eu não posso carregar ninguém estranho à firma, não.
--- Ah! Rodrigues... e por acaso eu sou estranho? Todo mundo aqui me conhece... eu até já engraxei os sapatos do Sr. Wiler, que é dono de tudo isso aqui.
Rodrigues ao ouvir o argumento do garoto, se condoeu e disse.
--- Olha moleque... realmente eu não posso carregar ninguém... mas em todo caso, vou abrir uma exceção para você, mas só hoje, viu.
--- Ôba!
E com esta exclamação, Alisson quis então entrar na cabine do veículo. Mas Rodrigues, interveio.
--- Não... espera aí. Ninguém pode ver você aqui dentro, não. Vamos fazer assim... você vai lá para aquela esquina. --- disse isto, mostrando-a para o menino. --- Eu ainda demoro aqui uns dez minutos. Depois então, quando eu sair, eu passo por lá e te pego. Ok?
--- Ok... eu estarei lá.
Realmente não demorou muito para que Alisson se visse dentro da cabine do caminhão, confortavelmente sentado, conversando com o motorista e olhando estupefato a paisagem.
--- O super–mercado de Lafaiete também é grande, Rodrigues?.
--- É... o de Lafaiete é do tamanho do de  Caranaíba. Eu estou falando deste aqui do Bairro do Horácio. O outro, o do bairro da Ponte Alta, é do tamanho do de Cristiano Ottoni.
--- Nossa! Então a família tem quatro super-mercados?
--- Tem...
--- “Putzgrila”!... E eu que achava que era só dois, um em Caranaíba e outro em Lafaiete... caramba!... então eles são “podre” de ricos...
--- É... eles são muito ricos. --- disse Rodrigues.
Mas Alisson estava sem dormir uma noite inteira, e como não poderia ser diferente, o cansaço apareceu. E aquelas paisagens passando depressa diante de seus olhos, logo fê-lo adormecer. E dormiu então profundamente. Tão profundamente, que nem viu a parada de uma hora no supermercado da cidade de Cristiano Ottoni. Rodrigues vendo-o dormir tão pesadamente, ficou com pena e não quis acordá-lo.
Na chegada de Lafaiete, Rodrigues finalmente dando uma sacudidela nele, acordou-o.
--- Vamos rapaz... deste jeito você vai voltar sem conhecer a cidade.
--- Hã... hã... já-já chegamos?
--- Estamos na entrada da cidade.
--- Nossa! Acho que dormi muito tempo... estou até com o pescoço doendo.
Depois que Alisson falou esta última frase, lembrou-se do ocorrido na noite anterior, e seus olhos marejaram, o que procurou rapidamente dissimular. Mas enquanto olhava e admirava a nova cidade que ele via pela primeira vez, sua cabeça procurava uma saída para a sua situação.
Quando o caminhão chegou ao hipermercado, Alisson pediu ao Rodrigues um pedaço de papel e uma caneta, com a desculpa de querer fazer algumas anotações, para discutir na escola.
 E enquanto Rodrigues foi resolver seus problemas de carga e descarga, Alisson escreveu um bilhete e deixando-o junto com a caneta em cima do banco do motorista, desceu do caminhão e sumiu dentro do bairro “Recanto dos Colibris”.
Quando Rodrigues voltou, depois de alguns minutos, encontrou o papel em cima da sua poltrona. O bilhete dizia:
Rodrigues: ontem mataram minha mãe, meu pai e meu irmão. O juiz quer me mandar para uma febem. Por isso estou fugindo de Caranaíba. Não se preocupe comigo, eu estarei bem. Fique com Deus e muito obrigado pela carona”.
                                              José da Glória.


--- Meu Deus... E agora? --- exclamou Rodrigues, visivelmente abalado. --- “o quê que eu vou dizer em casa?”
Com esta expressão figurada, Rodrigues bem define o seu estado de espírito de momento, isto é, se sentindo extremamente culpado pelo futuro do menino.
Sua volta para Caranaíba atrasou mais que de costume. Rodou pela cidade de Lafaiete, até por volta de nove horas, só então rezando e pedindo a Deus que protegesse o menino, retornou.
Em Caranaíba, embora sendo um pouco tarde, mas após a guarda do caminhão na garagem da firma, procurou a delegacia, relatou o ocorrido  entregando o bilhete
O oficial  de plantão, associando a pessoa do menino ao crime daquela madrugada, confirmou para o motorista, a história contada. E tranquilizou o denunciante, dizendo-lhe que agora mesmo,  ele ia contatar a polícia de Lafaiete, para ajudar na captura do menino.





        Capítulo 07




O domingo amanheceu com sol, mas com enormes nuvens brancas. Estávamos quase no final do outono, e portanto o calor já não era muito, e as madrugadas já começavam a esfriar. As folhas secas das arvores, eram levadas pelo vento, e de espaços em espaços, não muito distantes uns dos outros, se amontoavam fazendo dourados montes.
Eram mais ou menos 9 horas da manhã, quando chegaram os pais de Mariana, para mais um almoço rotineiro de todo domingo. Nas mãos o Sr. Oswaldo vinha a edição de domingo do jornal “O Caranaíbano”, pois todo domingo, ele gostava de lê-lo, sentado nas espreguiçadeiras da piscina.
Entrando na sala e respondendo o pedido de bênçãos feito por sua filha, Sr. Oswaldo colocando o jornal em cima da mesa, foi para a sala de estar, junto com sua esposa e a filha. Enquanto caminhavam, Mariana que ia à frente, dizia para seus pais.
--- Tenho uma grande notícia para o vô e  a vó, “corujas”.
---  Então conta porque estamos curiosos. --- Disse Da. Margarida.
E sentando os três nas confortáveis poltronas da daquela sala. Mariana continuou.
--- É sobre o Wiler... eu consegui coloca-lo num programa de intercâmbio cultural, e ele vai para os Estados Unidos.
--- Que maravilha! --- disse a vó.
--- Estupenda idéia... valorizará e muito, o curso de Direito que ele está fazendo. --- completou Sr. Oswaldo.
--- É... eu também concordo... --- respondeu Mariana, logo depois completando seu raciocínio. --- hoje, o estudante que não fala inglês fluentemente, fica inteiramente podado nas suas iniciativas profissionais.
--- E quando ele vai? --- Perguntou o avô.
--- Mais para o fim de Agosto, ou princípio de setembro.
--- É... fico feliz pelo Wiler. --- disse a avó, completando a seguir --- mas fico infeliz pelo Andersom.
--- Eu também, mamãe. Mas o quê é que eu posso fazer mais? Nem os melhores psicólogos de Caranaíba e de Lafaiete, conseguiram alguma coisa com ele.
--- Ah!... deixem de bobagem...  o Anderson não tem nada... Ele só não gosta do que vocês gostam. --- disse o sr. Oswaldo.
--- Como não tem?... Se ele não sai de casa. --- Perguntou Dona Margarida.
--- Mamãe tem razão, papai. O comportamento dele não é um comportamento de um jovem normal. Ele passa para a gente um estado de insegurança, muito grande.
--- Que nada...  vocês duas é que são muito preocupadas... --- disse sr. Oswaldo, e se levantando, perguntou. --- aliás, onde é que ele está?... eu quero saber a conclusão do estudo que ele fez sobre a cidade de Lafaiete.
--- No lugar de sempre... na biblioteca. --- respondeu Mariana.
--- Bem, eu vou até ele...  gosto muito de ver como ele gosta de história.
Dizendo isso, se dirigiu para a biblioteca, deixando as duas mulheres conversando animadamente. Entrando no salão, sr. Oswaldo foi cumprimentando o neto, com um largo sorriso.
--- Como é que vai indo o meu querido neto?
--- Ôi vô!... a bênção!... como vai o senhor?... --- Disse Anderson indo ao encontro dele, e dando-lhe um abraço.
--- Ora... ora... ora... o que este moleque anda fazendo aqui, nesta sala sozinho? --- Perguntou o vô.
--- Eu estou estudando a vida do escritor Júlio Cezar de Mello e Souza?
--- Humm!?... e este velho e inculto vô aqui, pode saber quem é esta figura?
--- Ô vô... o senhor nunca ouviu falar de Malba Tahan?
--- Ah!... Desse escritor árabe, sim. Mas desse tal de Júlio Cezar de não sei o quê, não.
--- Pois é vô... todo mundo conhece Malba Taham, e no entanto Malba Taham é apenas o pseudômino de Júlio Cezar de Mello e Souza.
--- O quê?... Malba Tahan é pseudômino? Você está brincando.
--- Não vô... é sério mesmo... o que aconteceu na verdade foi o seguinte: Este escritor era professor de matemática e apaixonado por lendas árabes... tão apaixonado que escreveu uns contos árabes e levou-os a uma editora para que fosse editado. O editor simplesmente recusou sua obra, alegando   uma grande dificuldade em vender livros de escritores sem nome no mercado literário. Inteligente como era, Julio César voltou para casa, retirou seu nome e introduziu o pseudômino de Malba Taham,  junto com uma biografia completa, que ele também criara. Feito isso, procurou então uma outra editora, e disse para o seu editor, que tinha traduzido aquele livro. Este editor leu-o, gostou e editou. Daí para frente, ele escreveu mais de uma dezena de livros, mas todos como sendo de origem árabe e com o pseudômino de Malba Taham.
--- Que sacana, heín?!  Ele então enganou todo mundo.
--- Em parte sim, mas depois do sucesso do primeiro livro, foi a editora que não quis que fosse revelada a sua identidade.
--- E ele era de onde? --- Perguntou o vô.
--- Ele era do Rio de Janeiro, onde nascera em 1895. Passou sua infância na cidade de Queluz-SP. E faleceu em 18 de junho de 1974, na cidade de Recife, onde fora fazer uma palestra.
--- Puxa!... vivendo e aprendendo... Mas interessante, eu vim até aqui para você me falar do estudo que você estava fazendo, sobre a cidade de Conselheiro Lafaiete, e você me dá uma aula de biografia.
--- Ah! vô... eu me desinteressei do assunto.
--- Mas por quê?... Você ia tão bem...
--- É... mas... a revolução de 1842, na verdade foi uma manobra das classes governantes, onde morreu muita gente sem necessidade... esta revolução, na verdade,  não devia nem ter acontecido.
--- Agora quem ficou curioso foi eu?... O quê que você descobriu, que acabou com seu entusiasmo? --- Perguntou sr. Oswaldo.
--- Veja bem: havia na realidade dois partidos que se alternavam no poder. Quando a revolução estourou, o partido que governava foi chamado de legalista e a oposição, por sua vez, de liberalista. Mas na verdade vô, o “monte” era o mesmo, só trocavam os mosquitos. Isto é: os legalistas governavam junto com Dom Pedro II, e os liberalistas apenas queriam trocar de lugar com os legalistas. Mas ambos partidos queriam ter o jovem Dom Pedro II, do lado deles. Tanto isto é verdade, que as próprias leis que o ministério legalista criou, e que foram o estopim da guerra, conviveram com os liberais por mais de cinquenta anos, quando mais tarde, depois da revolução, se mesclaram no poder. Ou seja, conviveram com estas leis, até quando o Imperador foi deportado para a França.
--- Bem... acho que entrar neste mérito aí, é muito para esta minha cabeça já bem velhinha... eu só queria que você me explicasse que papel Conselheiro Lafaiete, desempenhou nesta revolução.
--- Bem vô... eu estudei vários livros. --- Disse o garoto, mostrando uma grande maturidade em matéria de estudos. E enquanto falava, foi até a estante e pegou o seu trabalho inacabado e de posse dele, continuou sua explicação. ---... mas quem mais destacou a cidade de Queluz, que era o nome que tinha a cidade de Conselheiro Lafaiete, em 1842, foi o escritor Aluisio de Almeida. Este nome por coincidência, a exemplo da nossa conversa anterior, era o pseudônimo do padre Luiz Castanho de Almeida, que viveu muitos anos na cidade de Sorocaba. Ele afirma que a cidade de Queluz, atual Lafaiete, se levantou com os liberais formando um bloco oposicionista, junto com outras cidades: Barbacena, Pomba, São João Del-Rei, São José Del-Rei, Lavras, Oliveira, Santa Bárbara, entre outras. E  entre as que permaneceram legalistas, estavam Mariana, Piranga, Ouro Preto, Diamantina e outras mais. No seu trabalho, Lafaiete é citada várias vezes. Mas os maiores destaques são registrados nas páginas 162, 221 e 223. Eu vou ler para o senhor, vô... preste atenção. Página 162:
“...Os acontecimentos de Queluz foram estes: a coluna organizada em Ouro Preto sob o comando de Manuel Carlos de Gusmão atacou os rebeldes no interior da vila no dia 4 de julho, matando dois deles, mas retirando-se.
No dia 15 voltou Gusmão ao ataque. Venceu, deixando como comandante da cidade o brigadeiro reformado Manuel Alves de Toledo Ribas. Mas o coronel Nunes Galvão em pessoa,com a sua poderosa coluna rebelde, às 9 e ¾ da manhã de 26 entrou na cidade, levando os defensores até a matriz, mas na retaguarda aparece o coronel Alvarenga, que fechou o cerco. À noite escaparam-se os legalistas... Nesta parte aqui vô...  o filho do coronel Nunes Galvão morreu em Lafaiete, porque o autor, destaca a nota entre aspas: “Morreu o Alferes Fortunato Nunes Galvão, mas morreu a morte dos bravos, e seu respeitável pai teve  patriotismo bastante para cerrar-lhe os olhos, declarando ainda que tinha três filhos para darem a vida para a liberdade da pátria” Outro destaque desta luta: “ 200 prisioneiros e 50 baixas entre mortos e feridos, segundo os liberais, teriam sido os prejuízos dos legalistas’.
---Então não foi Caxias que lutou aqui? --- Perguntou o velho.
--- Calma vô... No momento destes combates, Caxias estava lutando no oeste de São Paulo. Logo que os ânimos serenaram por lá, ele veio para cá. Este autor, muito bom por sinal, grava isso muito bem aqui nesta página... Escute só: Ás sete horas da noite de 6 de agosto, dia do bom Jesus,a marchas forçadas, entrava em Ouro Preto com a coluna de Pacheco, o barão de Caxias, à frente de 700 homens.
Tanto como em São Paulo, Caxias é sempre carinhoso para com seus soldados. Em Ouro Preto, a Santa Casa transforma-se em Hospital Militar e o cirurgião-mor de 1a. linha, Antônio José Vieira de Menezes, tratou dos enfermos.
Os revoltosos saindo de Queluz estiveram exitantes na Bocaina e a 4 de agosto obtiveram inútil vitória na Lagoa Santa, onde se dissolveu a coluna de Curvelo, impossibilitada de se Reunir com José Feliciano. --- Agora vô... é que o autor responde a sua pergunta, escute:
Nesse lugar da Bocaina, a 5 de agosto vieram eles a saber que Caxias se achava em Queluz e prometia perdão aos que se apresentassem, não sendo cabeças.
--- Puxa vida! Que honra para a nós, héin!.. Caxias então esteve em Lafaiete... --- retrucou o vô, todo inflamado em seu orgulho de ser natural de Lafaiete.
--- É vô... ele foi um grande militar...
Neste momento, Mariana entrou na biblioteca para chamar os dois sonhadores para o almoço.
--- Vamos seus moleques travessos... o almoço está à mesa. --- disse ela, em tom de brincadeira.
--- Espera um pouco mãe. --- disse Anderson. E continuou. --- ... deixe eu ler só mais um trechinho aqui para o vô... logo em seguida nós vamos.
--- Então não demorem, senão a comida esfria. --- respondeu com doçura sua mãe, e saiu novamente.
Logo que ficaram a sós, Andersom falou.
--- Aqui vô... só para terminar, eu quero mostrar a resposta para aquelas marcas de balas que existem na torre da Matriz Histórica de Lafaiete... veja só o que este padre fala:
Queluz, hoje a importante cidade de Lafaiete, foi por assim dizer o centro da revolução de 42 em Minas, e na sua Matriz se observam vestígios de balas nos dois braços da cruz da fachada. Em 4 de julho aí se enterraram dois legalistas, quando Gusmão, vindo de Ouro Preto com os canhões de Halfeld, foi obrigado a recuar, pela coragem dos rebeldes armados de caçadeiras...  --- pronto vô... agora podemos ir almoçar. Disse Anderson fechando seu trabalho, e guardando-o na estante.
--- É... vamos... e hoje, se a sua vó não me encher a paciência, eu quero tomar uma cervejinha, para comemorar a estadia de Duque de Caxias na minha cidade natal.
E dizendo isso saíram os dois abraçados, para irem almoçar. E Anderson rindo, corrigiu o avô.
--- Há! há! há!... só que quando ele esteve lá, ele ainda não era Duque, mas sim Barão... há! há! há!
Sentados os cinco à mesa, o assunto foi futebol. E o Sr. Oswaldo jogou um apelo no ar.
--- Eu quero saber qual dos meus dois netos vai me levar ao estádio hoje?
--- Vai ter jogo, aqui em Caranaíba? --- perguntou Da. Margarida.
--- Ora se vai?... Vai ter um jogão... hoje o Gloriense vai acabar com a escrita de perder para o Atlético Mineiro.
--- Sozinho... “você pode tirar o cavalinho da chuva, senão ele vai molhar”, definitivamente você não irá. --- Determinou Dona Margarida.
--- Eu sabia que você ia falar isto... por  isso mesmo que eu estou apelando para um dos meus dois guardiões, aqui. --- E olhou para os netos.
--- Ô vô... eu já combinei com uns colegas... agora fica chato eu me declinar deles... por que o senhor não me falou isso, ontem?
--- Não... pode ir com eles, eu tenho aqui o meu letrado neto, o Andersom... certamente ele me levará.
--- Ah... não, vô... o estádio é muito longe... é lá no “Baêta”... e eu também não gosto de confusão, não... hoje vai encher aquele estádio. --- disse Andersom.
--- Quê isso? Vai deixar de ir ao estádio, para ficar aqui ouvindo no rádio?... ou você acha que a tv de Caranaíba vai transmitir direto?
--- Eu sei que não vai, vô. Mas mesmo assim prefiro ouvir no rádio.
--- Não nada disto... hoje o senhor vai fazer a minha vontade. Eu estou velho e nem sei se vou ter uma outra oportunidade de ver o Atlético jogar aqui novamente.
Da. Margarida ao ouvir estas palavras,  olhou para seu marido, e ele piscou um olho para ela. Mariana que prestava atenção nos dois, logo entendeu a manobra de seu pai para fazer Anderson sair de casa. O garoto por sua vez, diante da argumentação do avô, cedeu finalmente.
--- OK?... vô... eu vou com o senhor.
Mariana então pode respirar tranquila, porque via finalmente seu filho aceitar um convite para sair um pouco. Ela não disse uma palavra sobre a decisão dele, deixou a coisa no ar como se aquela resposta que ele dera, fosse fato corriqueiro.







        Capitulo 08




Depois do almoço, Wiler vestiu sua camisa alvinegra e saiu para encontrar seus amigos. Mariana e seus pais foram para a sacada da casa, de onde viam o movimento da rua. Carros e mais carros passavam buzinando. Uns com a bandeira do Atlético, e outros com a do Gloriense. A cidade estava bastante animada.
Quando o relógio bateu três horas, sr. Oswaldo entrou na casa e chamou o Anderson. O motorista da família, que estava de plantão, levou-os para o estádio. Mariana ficando só com sua mãe, chamou-a para a sala de tv, para juntas assistirem a algum filme.
Mal o filme havia começado, Da. Margarida adormeceu. Mariana então, abandonando também o filme, pegou o jornal que seu pai tinha trazido, e abrindo-o no sofá, começou sua leitura.
O caso da Família do Alisson, estava estampado na página policial. Mariana leu toda a notícia, depois ficou olhando a foto do Alisson, tirada dentro da viatura policial. De repente começou a falar sozinha.
--- Nossa Mãe!... Que desgraça a desse menino... agora sozinho neste mundo... sem ninguém para cuidar dele... e... e interessante... alem de ter a idade que hoje teria o Alisson, ainda por cima tem os traços fisionômicos bem parecidos com o Andersom... será?.... não, bobagem a minha... aqui mesmo está falando que a mãe e o pai dele foram mortos, junto com o irmão.
E falando assim, mudou a página e foi ver as ofertas que os concorrentes estavam fazendo.




***********************



Alisson depois que deixou o caminhão do Rodrigues, procurou sair daquele bairro o mais depressa possível. Caminhou pelas ruas de Lafaiete sem destino algum. Não conhecia a cidade, mas como não tinha onde ir, também não se preocupava em se perder nela. Sabia que o Rodrigues ia acabar dando parte do seu desaparecimento à polícia, por isso sua preocupação era não ficar no centro da cidade.
E andando assim sem rumo, foi para o bairro do Santuário, onde  gastou suas ultimas economias comprando um pastel e um café, para enganar seu estômago. De vez em quando lembrava de sua família e seus olhos lacrimejavam.
 A noite, ele a passou sentado na porta da igreja do bairro, tendo como companhia um casal de mendigos que como ele, também não tinha endereço.
Acordou cedo com o vozerio das pessoas que chegavam para a missa.      
Logo procurou sair para a rua, temendo ser denunciado por alguém. A fome com que tinha adormecido, agora se fazia mais presente. Seu estomago vazio, começava a doer. Logo, logo entendeu que de agora em diante ele  teria de voltar àquela vida de pedinte.
E durante aquele domingo pediu comida nas residências e nos bares.
 Nos dois meses que se seguiram, Alisson achando um supermercado, fez dele seu ponto de trabalho. Ali junto aos caixas, passava os dias se oferecendo para levar as compras dos fregueses até o estacionamento. Desta forma defendia algum dinheiro, com que matava sua fome. Quando chegava para dormir na porta da igreja, lembrava sempre da sua humilde caminha,  que tinha em casa, e por muitas vezes chorava. Para os meses de frio, conseguiu ganhar um “cobertor de São Vicente” e enrolado nele, passava as noites.
Aos poucos as buscas foram escasseando, e Alisson passou a nem se lembrar mais da polícia e muito menos do juiz de Caranaíba.
Um domingo, estando ele passando próximo de uma banca de jornais, sentiu vontade de ver as noticias de Caranaíba, sua cidade natal. E se aproximando daquele cordão esticado, onde ficavam todos os matutinos expostos, parou justamente em frente o exemplar de “O Caranaíbano”, e começou a delicia-lo. Quando chegou no final da página, uma poesia publicada, chamou sua atenção. Era uma poesia de um poeta sem expressão nenhuma , que fê-la achando que estava fazendo uma grande e imorredoura obra. Ela dizia assim.





Caranaíba
                                     (Homenagem ao meu torrão natal)

Nascestes talvez ao acaso,
Minha doce terra querida,
E diante de ti me extravaso:
Ó minha “Bela Adormecida”.

Dentro da nave de tua igreja,
Escondes relíquias e mistérios,
E antigas peças, de fazer inveja,
Aos artesões do antigo império.

Suas ruas de pedras roladas,
Fazem parte de tua história,
E jamais deverão ser tiradas,
Pois são provas de tua memória

À Santa Mãe te consagraram,
Com o título “Senhora da Glória”,
E seus filhos tanto gostaram,
Que só te tratam pelo nome de “Glória”


Esta poesia foi a gota que faltava, para que o seu copo de saudade transbordasse. Seus olhinhos mais uma vez, marejaram. Saindo dali engasgado, tomou a decisão de voltar para Caranaíba.
Assim então fez, durante toda aquela semana guardou até o último centavo que havia ganho no supermercado. Para satisfazer a sua fome, voltou a pedir comida em bares e residência.
Contudo seus problemas não se estabilizavam apenas em conseguir dinheiro para a passagem do ônibus. Ele sabia que como estava, com a roupa toda suja e amarelada e ainda por sinal, sem banho há mais de mês, dificilmente iria conseguir embarcar em um ônibus. E ainda tinha um grave detalhe, não podia viajar sozinho por ser menor. Por isso, alem de comida, naquela semana, contrariando extremamente sua natureza, além de comida e café, pediu também roupas e calçados usados.
Graças à Deus, ainda existem muita gente boa neste nosso querido e gigantesco Brasil, senão não sei o que seria desta classe de gente super necessitada. Roupa e dinheiro para a viajem ele conseguiu, faltava agora o banho. Ele então lembrou de seu irmão Nando, que trabalhava no lava-jato, e pensou. ---É lá... é no lava-jato que eu vou me limpar. Eu peço o lavador para me jogar uma água.
E assim, no domingo seguinte Alisson foi para a rodoviária, comprou a passagem e ficou próximo ao local de partida do ônibus, observando os passageiros que chagavam para viajar. Quando percebeu a aproximação de um casal bem humilde, ele se adiantou à eles tomando-lhes a frente,  juntos, passaram pelo motorista, que na porta recebia as passagens. Esta sua hábil manobra, certamente fez com que o profissional pensasse ser ele filho do casal, que ele precedeu.


              

           ****************



Depois daquele dia em que o Clube Atlético Mineiro, enfrentou e ganhou às duras penas do Gloriense, pelo escore de 1 x 0 com gol de pênalti, no Estádio Geraldo Amorim, em Caranaíba, Sr. Oswaldo começou um trabalho bastante samaritano que consistia em fazer com que Anderson, passasse a sair mais vezes de casa. Isto é, toda vez que surgia um motivo, seu avô, conhecendo muito bem o neto, não telefonava para ele, simplesmente pegava o carro e ia até à mansão, solicitar a sua ajuda. Frente a frente, e ouvindo a chantagem emocional do velho, Andersom não declinava de ajudá-lo.
O neto por sua vez, não era mau garoto, não, apenas, como sua própria mãe já o definira anteriormente, era simplesmente muito inseguro. Educado como era, e morrendo de amor pelos seus queridos avós, ficava impedido de recusar qualquer pedido feito por qualquer um deles. Desta forma então, por diversas vezes, neste período de pouco mais de dois meses, sr. Oswaldo conseguiu fazer com que ele fosse sua companhia para diversos lugares.
Um dia, logo depois do almoço, sr Oswaldo  passou em sua casa e o convidou para ir com ele ao banco, para receber seu pecúlio.
No caminho, notando o garoto muito calado, sr. Oswaldo tentou “puxar a sua língua”, na tentativa de ajudá-lo.
--- O quê está acontecendo com o meu melhor guardião? --- perguntou.
--- Nada vô... nada...
--- Nada? Tem mesmo certeza de que não está havendo nada? E porque então, o meu neto querido está tão calado?...  será que é porque este velho aqui, fica pedindo a sua companhia, para que ele possa sair de casa?
--- Não vô... não é nada com o senhor, não.
--- Ah! não!... Se não é comigo, então me conte, porque mesmo que seja alguma criancice, eu posso ajudá-lo... com a desculpa de que sou velho,  todo mundo acha que eu sou esclerosado.
--- Há! há! há!... Só o senhor mesmo vô, para me fazer rir. --- replicou Anderson e os dois riram juntos. Depois então de uns segundos, Anderson resolveu se abrir com seu Avô.
--- Sabe o que é, vô... tem horas que eu acho que estou demais lá em casa. Minha mãe só sabe dizer que eu estou ficando maníaco, ela não diz isso claramente, mas para um burro entender, é só a gente bater na cangalha...
--- Humm!... --- Fez sr. Oswaldo. E o garoto continuou.
--- O maior desejo dela é que eu estude Direito...  coisa que eu detesto, e ela sabe muito bem disto... e agora, com esta viagem do Wiler, marcada para o mês que vem, para os Estados Unidos, hã!... começou uma nova pressão para que eu o acompanhe.
--- E você acha que ela está errada? --- Perguntou o vô.
--- Não sei vô... eu só acho que minha vontade não está sendo respeitada.
--- Filho... sua mãe só está preocupada com o seu futuro... só isso.
--- Mas vô, não é só isso não... não só ela como também o Wiler, toda vez que surge um problema na empresa, ficam jogando farpas em mim dizendo que eu sou malandro... não quero nada com o trabalho... eles não entendem que nada disso, é minha “praia”.
--- Então meu filho... diz para este vô aqui, que tanto te ama... qual é a sua “praia”?... Ou, o quê na verdade mais te interessa na vida?
--- Pior vô... é que eu também não sei... acho que se me deixassem mais livre, eu até poderia me definir.
Sr. Oswaldo, vendo a insegurança do rapaz, encostou o carro no meio fio da calçada da praça Paulo Henriques de Assis, já próximo ao banco onde tinha que ir, e olhando para o neto, disse:
--- Vem comigo... vamos nos sentar naquele banco ali, da praça.
--- Mas e o banco, vô?... Já está quase na hora de fechar? --- respondeu o garoto, enquanto saia do carro.
Sr. Oswaldo, colocando a mão em seu ombro, disse.
--- O banco está ali, todo dia... se não der para ir hoje, eu vou amanhã... se não der para ir amanhã... eu vou outro dia qualquer... isso não é importante. Agora importante mesmo neste momento, é você... você é o meu neto, e está com um problema...  e eu tenho que ajudá-lo a encontrar a solução.
--- Ô... vô! Eu não queria encher a cabeça do senhor com meus problemas, não.
--- Já te falei que estou esclerosado, não falei? Então, problema seu é problema meu também. --- e rindo, completou. --- Vamos nos assentar neste banco aqui, que eu quero te contar uma história.
Depois que se acomodaram nos assentos do banco da praça, sr. Oswaldo começou a falar.
--- Preste atenção nesta história. Eu a ouvi quando ainda era moço, e acho que ainda não a esqueci.
“Um rapaz... e este rapaz podia ser muito bem você, pois a idade dele era a mesma que a sua, saiu certo dia de sua casa, chorando muito, e foi bater na porta da casa de seu professor.
O professor ao abrir a porta, e vendo o garoto neste estado choroso, convidou a entrar e se assentar. Logo que o garoto se assentou, começou o seu desabafo.
--- Professor, eu vim aqui para que o senhor me ajude... ninguém na minha casa gosta de mim... todos falam que eu sou malandro... que não quero nada com a dureza... e...
O professor lendo a alma do garoto, coisa que só nós os mais velhos, conseguimos às vezes fazer tal proeza, interrompeu os soluços do garoto dizendo para ele
--- Tudo bem... eu vou te ajudar. Só que tem um empecilho.  Eu também estou com um problema muito grande... e para que eu possa resolver o seu,  eu tenho que resolver o meu primeiro, pois só assim terei calma e paciência, necessárias, para ajudar você a encontrar a solução para o seu. Topa me ajudar?
O aluno, de início ficou sem ação. Ora – pensou ele – eu vim aqui para resolver o meu problema, e não o dele. Mas logo também entendeu que se quisesse ter uma solução, tinha antes que ajudar o professor com o problema dele, era a condição que se apresentava, e não podia ser mudada. Por isso respondeu.
--- Certo professor. O quê o senhor quer que eu faça?
--- Eu tenho uma dívida muito grande e o respectivo credor está me ameaçando de morte se eu não saudar este compromisso. Por isso preciso que você me faça um favor.
--- E qual é? --- Perguntou o aluno.
--- Eu preciso que você leve este anel aqui – e o professor à medida que falava, tirou-o dedo anular da mão esquerda e estendeu ao garoto, e continuou suas instruções. ---... e tente vende-lo lá no mercado, a qualquer barraqueiro. Mas com uma condição, você não pode aceitar oferta menor que uma moeda de ouro, porque é justamente o valor da minha divida.
O menino foi e duas horas depois, retornou, entregando o anel ao professor e relatou o ocorrido lá no mercado.
--- Olha professor... infelizmente o senhor vai ter que continuar sendo um devedor. O anel que me deu para vender... acho que não vale muito, não. Eu andei o mercado todo...  e a melhor oferta que encontrei foi  de uma moeda de prata... eu diria até, que com mais empenho até que poderia  encontrar uma oferta de duas moedas de pratas, mas infelizmente, o preço que senhor estipulou, acho que jamais encontrarei.
Calmo, o professor falou novamente.
--- Vamos fazer o seguinte... sem uma devida avaliação da jóia em questão, eu vou ficar sem condição de dizer se aceito ou não a oferta que você encontrou. Portanto, eu vou te pedir outro favor.
--- Pois não professor, pode falar. Retrucou o menino.
--- Vá então ali no centro da cidade e procure por um ourives. Encontrando, peça a ele para avaliar para mim o anel. Mas seja qual for a oferta que ele fizer, você não o venda sem antes voltar aqui e me dizer qual é. Certo?
--- Certo. --- respondeu o aluno e pôs se em marcha, rumo ao centro da cidade.
Chegando na loja, falou com o ourives e este então colocando aquele monóculo cumprido, examinou detidamente por um bom tempo. Acabado o exame, o profissional disse:
--- Olha aqui garoto, diga ao seu professor que se ele não tiver pressa, eu posso encontrar algum comprador que pague por ele, umas 100 moedas de ouro. Mas se a pressa neste caso, for fundamental, eu pessoalmente pago na hora 75 moedas de ouro,e só não pago mais porque no momento é tudo  o que possuo.
O menino ficou num entusiasmo e numa alegria de fazer inveja a qualquer um. E agradecendo o ourives, voltou correndo para casa do professor. Chegando, disse a ele:
--- Olha aqui professor... além do senhor pagar a dívida, ainda vai ficar rico... o ourives mandou dizer que o anel vale 100 moedas de ouro... e que se o senhor tiver pressa em vende-lo, ele mesmo paga 75 moedas de ouro agora, e só não paga mais porque este valor é todo o dinheiro que ele tem...
O professor então pegando o anel e colocando-o de novo no dedo anular da mão esquerda, disse para o garoto.
--- Esta, meu filho, é a sua resposta. Você é como este anel. Você é precioso entre aqueles que realmente conhecem o seu valor... entre aqueles que conhecem o seu interior.
--- Puxa vô!.. Que história bonita.
--- Sim meu filho... mas esta história nada mais é que a sua história... você é o menino dela... sua mãe, bem como seu irmão, vivem o dia a dia da empresa... e portanto, vêem em você, uma pessoa confiável e necessária na firma... e por isso,  estão muito longe de entender que você não fala a linguagem deles. Você Anderson... é muito precioso para a ciência... para a História. Você se dará muito bem, em qualquer área que necessita um grande pesquisador...
--- O sr. Acha vô?
--- Claro filho... você só precisa sair para um centro maior... morar em uma república, e escolher uma área de estudos na qual esta sua aptidão, irá se destacar.
--- Acho que o sr. tem razão... eu adoro história.
--- Não só História, Anderson... Geografia, Medicina, Arqueologia... todas estas matérias dependem de muitas pesquisas... e tenho certeza absoluta, de que se preciso for, aprender o idioma inglês para desenvolver qualquer destas opções, você certamente o estudará e com muita alegria.
--- É vô. o senhor acertou em cheio... é isto que eu vou fazer. --- Disse o garoto, e completou. --- O problema é convencer a minha mãe...
--- Disso cuido eu... eu não te falei que sou esclerosado? --- riram muito os dois, e o sr. Oswaldo chamou-o para irem embora.
--- E o banco, vô? --- indagou o garoto. --- o senhor. esqueceu?
--- Já fechou... mas não se preocupe, não... com isso eu acabei foi de arranjar uma boa desculpa para sair amanhã também. --- E rindo novamente, os dois entraram no carro e foram embora.




                                       Capitulo 09



Alisson chegou em Caranaíba e passou a “morar” na porta da Matriz Histórica, por ser um local mais isolado da sociedade. Ali ele dormia todas as noites, enrolado em um cobertor.
Em seu primeiro dia na cidade, procurou uma marcenaria das muitas que por lá existem, e conversando com um dos oficiais da empresa, pediu a ele ajuda para conseguir uma caixa de engraxar sapatos. Pois era isso o que sabia fazer, e precisava de uma para poder trabalhar. O oficial condoído, prometeu ajudá-lo, construindo-a em sua horas de folga.
Passado alguns dias, procurou novamente a marcenaria e recebeu-a das mãos do oficial.
De posse dela, foi para o supermercado do bairro da Ponte Alta, e se aproximando dos fregueses mais abastados, pedia para um, uma lata de graxa na cor preta; para outro, uma escova de sapato; e desta maneira então, conseguiu compor a sua ferramenta de trabalho.
E se mostrando muito arredio, não se apresentou novamente na escola e nem voltou a trabalhar mais como engraxate, no antigo local onde trabalhou, ou seja, no Hipermercado Orimar, do bairro do Horácio, mas sim, na Praça Paulo Henriques de Assis, bem em frente à catedral dos Anjos.
Já estava ele frequentando aquele bairro há alguns dias, quando numa tarde de uma sexta-feira, aconteceu um fato que veio alterar  totalmente sua vida.
Por volta das três horas da tarde, estava ele engraxando os sapatos de um homem no interior da praça, quando ouviu as sirenes de quatro viaturas da polícia, que em velocidade, invadiram as ruas daquele centro comercial.
Duas viaturas entrou pela mão de direção normal, que fica ao lado da praça, e as outras duas, dirigidas pela contra-mão, seguiu pelo o outro lado. E nas esquinas do quarteirão, as quatro estacionaram, trancando assim o trânsito naquela região.
O fato, chamou a tenção de todas as pessoas que estavam naquela região. Alisson parou de engraxar, e ficou atento para descobrir o que estava acontecendo. Logo o seu cliente, gritou:
--- Assalto!... proteja-se.
Atônitos, cliente e engraxate, procuraram se proteger atrás do próprio banco da praça, no qual se encontravam.
--- Onde? --- perguntou Alisson.
--- Em uma daquelas duas Agências bancárias ali. --- Disse o homem, apontando a região, e completou --- ... na da Caixa Econômica. ou na do Bradesco.
Logo que estacionaram as viaturas, seus ocupantes desceram rapidamente, e abrindo as portas para servirem como escudos, se posicionaram atrás delas com as armas em punho.
Logo, logo saiu três homens da Agencia do Bradesco e atirando para todas as direções, se protegeram atrás dos veículos que estavam parados na frente do banco.
A polícia respondeu com fogo. Um tiroteio infernal começou. Alisson, que acompanhava todo o desenrolar da cena, divisou entre os malandros, o vulto do seu irmão Toím, que há muito já não o via.
--- É o Toím...
E sem refletir, saiu correndo em direção ao lugar onde seu irmão estava, gritando.
--- Parem... parem... é o meu irmão... é o meu irmão.
Toím, quando viu Alisson correndo em sua direção, ainda gritou:
--- Não, Nem... fica onde  cê tá... fica, Nem.... fica...
Mas Alisson não parecia raciocinar em termos de perigo, tinha visto seu irmão, seu último parente, e queria por um fim aquele tiroteio.
Uma bala perdida então, oriunda do lado dos policiais, acertou-lhe as costas. Alisson interrompeu sua corrida bruscamente e caiu perto do carro que servia de escudo para Toím. E balbuciau.
--- Toím...
Toím então saiu rapidamente de seu lugar e foi socorrer seu irmão alvejado. Os tiros pararam. Os companheiros de Toím vacilam, ao verem sua saída em campo aberto. Este momento de indecisão que se instalou, foi  o suficiente para a polícia agir com rapidez. Uma partes dos policiais que estava nos fundos da lanchonete, vizinha à agência assaltada, entraram em ação e renderam  os bandidos.
Caído no chão, com a mão estendida  na direção do irmão, Alisson esvai-se em sangue. Toím logo o abraça e começando a chorar, suplica ajuda.
O delegado Reginaldo, que comandou o cerco, puxou Toím para trás, e enquanto ele era algemado por outros dois agentes, fez sinal para que uma viatura se aproximasse, e erguendo o garoto  nos braços,  colocou-o dentro dela, e disse ao seu condutor:
--- Rápido... abra a sirene toda e leve o garoto urgente para a Santa Casa.
A viatura partiu à toda, e os marginais foram conduzidos para a delegacia.
A vida normal das ruas novamente se estabeleceu. E lá na praça, mais uma vez, uma caixa de engraxar sapatos, ficava outra sem o seu dono.
Logo que chegaram na chefatura, os bandidos foram encaminhados para uma sala, onde seriam agora submetidos a uma rigorosa inspeção.
O delegado que tinha permanecido mais um pouco na agência assaltada, chegava agora. Ao passar pelo plantonista, recebeu um recado.
--- Doutor... A Santa Casa está pedindo para que o senhor entre em contato com eles, urgente.
--- Ok! Obrigado. Eu já ia mesmo ligar para lá. --- Reginaldo respondeu ao policial e continuou caminhando para sua sala. Ainda a caminho, pegou seu celular e fez a ligação. Quando a ligação se completou, ele já estava sentado em sua cadeira giratória. O telefonema foi rápido. Desligando o aparelho, Reginaldo mandou que trouxessem o bandido, cujo o irmão fora atingido por uma bala, urgentemente à sua sala.
Chegando o prisioneiro, o delegado falou.
--- O quê você tem a haver com aquele garoto? --- perguntou.
---  É meu irmão. --- respondeu Toín.
---  Pois saiba que ele não está bem, não... e eu preciso avisar sua família. Onde eles moram?
--- Nóis num tem famia mais, não. --- Respondeu Toín com a voz embargada, por saber do estado de seu irmão.
--- Como não tem mais família?... perguntou o delegado novamente.
--- Ês foi assassinado ôtro dia... o pai, a mãe e o ôtro meu irmão. --- Respondeu entre lágrimas o marginal.
--- Humm!... então você está ligado com aquela chacina que aconteceu na rua Álvaro Horta Filho?... e o menino é o tal que nós estamos procurando?
--- Sim...
Reginaldo olhou para os guardas que estavam segurando Toím, e argumentou.
--- Então você tem muito o que contar para nós... mas por ora, me responda a quem eu devo avisar que ele está quase à morte. --- Insistiu o delegado.
--- Dotô... o pai achô o Nem no bosque... ele num sabe disso, não.
--- Eu estava estranhando mesmo esta história dele ser seu irmão... ele é bem mais claro que você. E quando foi isso?
--- Ele era muito piqueno... num andava inda não. --- Respondeu Toím
--- E quantos anos ele tem hoje?
--- Uns doze, ô treze...
Reginaldo vendo que não conseguia resolver seu problema, disse para os guardas:
--- Levem-no... e cuidado com ele... esse passarinho ainda vai cantar muito bonito, aqui dentro.
Com a saída deles, o delegado baixou sua cabeça na mesa, colocando-a por cima de seus braços, e fechando os olhos ficou a pensar no pobre coitado do garoto, que sem ter culpa nenhuma no ocorrido, estava à beira da morte naquele hospital.
Subitamente, deu um salto e falou pra ele mesmo: --- se eu tiver sorte... talvez ache a sua família. E falando assim se levantou e foi até sua estante. Ali ficavam arquivados em pastas, os casos de crianças desaparecidas, e que ainda não tinham sido encontradas. Os casos eram arquivados por ano. E cada pasta trazia o ano bem visível do lado de fora. Desta forma bastou Reginaldo contar 11, 12 e 13 anos para trás, e retirou então as três, em cujas quais, ele esperava ter chances de encontrar algum relacionamento com o garoto.
Na primeira só havia um caso insolúvel, mas era de uma menina. Na segunda, havia dois casos, mas foram descartados porque um garoto era nissei e o outro era negro. Na terceira, logo de cara tinha a foto do Alisson, e em baixo dizia. “ Segundo as investigações, desaparecido no bosque municipal – idade 1 ano”. Foliou mais a pasta, mas acabou por descartar os dois casos restantes, um por ser menina e o outro porque o garoto desaparecido tinha na época 5 anos.
De posse da foto, Reginaldo foi até a sala de interrogatórios, e apresentando a foto ao Toím, perguntou:
--- Esta foto aqui... te lembra alguma coisa?
--- É o Nem, quando chego lá em casa... --- disse Toím, sem fazer suspense.
--- Tem  certeza?... Este menino desapareceu na época que você falou. E seu nome era Alisson. Insistiu o delegado.
Toím olhou mais uma vez o retrato, e respondeu.
--- É o Nem sim... tenho certeza... e comé qui ele tá, dotô?
--- Está na mesma...  --- Respondeu o delegado e continuou perguntando: --- E como é o seu nome.
--- Nóis chamava ele de Nem... mas pra istudá es colocaro o nome de Zé da Glóia.
--- Zé da Glória? --- Tentou Confirmar Reginaldo.
--- Sim... Zé da Glóia. --- respondeu Toím.





                                  
                                               Capitulo 10



Reginaldo voltou para sua sala procurou na própria pasta o  numero do telefone da Família do Alisson, e ligou seu celular.
Minutos depois, Mariana já estava ao telefone, e Reginaldo então foi direto ao assunto. Dizendo para ela que infelizmente havia 90 por cento de chance, de que o Alisson podia estar agora muito mal na Santa Casa. E que se ela quisesse vê-lo, deveria andar rápido. E que ele, estava indo agora mesmo  para lá.
Mariana começando  a chorar, chamou Anderson e Wiler, e entrando no carro junto com eles,  mandou que o motorista voasse se fosse preciso, mas queria chegar na Santa Casa o mais rápido possível.
Dentro do carro ela foi colocando para os dois filhos, a conversa que teve com o delegado. Mas contudo também afirmou que não sabia o que tinha acontecido com o Alisson, mas que ele estava muito mal. Isto só fez aumentar a ansiedade nos garotos.
O carro parou na porta do hospital e Mariana de pronto reconheceu o Delegado, que esperava por eles na porta.
Não houve tempo nem para os cumprimentos de praxe. Reginaldo logo foi dizendo para eles, enquanto caminhava ao lado dos três. Que se ele tinha alguma dúvida antes chegar ao hospital, agora ele já não tinha mais. Alisson é muito parecido com o Anderson e viveu este tempo todo com o nome de José da Glória.
E Mariana foi logo perguntando como ele estava. Mas Reginaldo disse que os médicos não estavam dando nenhuma esperança.
Chegaram então por fim, na enfermaria, local onde junto a outros pacientes, Alisson estava deitado  numa cama.
Acercaram os quatro. Mariana não se contendo disse.
--- É ele... meu filho... e beijando-o no rosto, abraçou-o.
Alisson, ao ouvir aquelas palavras abriu os olhos, talvez esperando encontrar sua mãe Da. Alzira. Mas vendo outra pessoa, tentou balbuciar seu nome.
--- José... da... Glória.
Wiler tinha os olhos marejados, depois que reconheceu nele o garoto que tinha engraxado seus sapatos, apertou sua mão com ternura e disse entre lágrimas:
--- Perdão...  meu... irmãozinho...
O médico de plantão chegou e disse para Mariana... o projétil destruiu boa parte do tecido de um pulmão e está alojado muito perto do aurículo esquerdo... não sabemos como ele ainda está vivo.
Mariana, em seu desespero, tenta fazer ele encontrar forças e vontade de viver, falando com ele.
--- Meu filho... escute... seu nome é Alisson e você é o meu filho que desapareceu quando era pequeno... você vai ficar bom...
Alisson continuava sem entender nada do que estava acontecendo. Sua vida estava chegando ao fim.
Anderson, chorava e não conseguia falar nada.
Wiler, numa tentativa de levantar suas forças, disse:
--- Vamos Alisson... nós precisamos de você no hipermercado.
Neste momento, Alisson, reconheceu Wiler e disse num som entrecortado.
--- Ori... mar...
Mariana aproveitando a reação positiva de Alisson, tentou sua ultima cartada.
--- Sim... Alisson... você também é dono do Orimar...
--- Do... no?...
Ao balbuciar esta palavra, Alisson sorriu, tombou sua cabeça e sua alma voou, voou o vôo da águia dourada, mas direto para o Céu.
Mariana deu um grito, tentou sacudi-lo, mas o médico que estava perto cerrou seus olhinhos. Dizendo para ela.
--- Nada mais podemos fazer...
E em volta dele, apenas choro se ouvia.





                          FIM