José da Glória
João de Assis
Dedicatória
Dedico este livro ao meu sogro e segundo pai, Walter Lacerda de Almeida, In Memoriam.
Meu sogro... meu segundo pai!
Como um clarão...
Como um facho de luz vindo do Céu,
tu vietes para colorir esta terra...
Aqui tu fostes um anjo de bondade e ternura...
Aqui tu fostes uma fonte inesgotavel de doçura...
Jamais, de teus lábios ouvi uma palavra de raiva...
Jamais, ouvi de ti sequer, um julgamento malicioso...
Ou, um pré-conceito negativo sobre alguém...
Como um anjo pousou em nossas vidas...
Como um anjo também, deixa-nos agora...
Só quem te conheceu pode realmente atestar essa verdade...
A caridade, em ti fez um ninho...
Um ninho de amor e compaixão por todos os sere humanos
- filhos do mesmo Deus, que tanto tu honrastes com tua fé inaudita...
Agora partes para o "Outro Lado Bom da Vida..."
Partes para junto Daquele que te enviou...
E deixa-nos tristes... numa tristeza sem fim...
Nosso estado de alma é tão ímpar,
que não encontramos palavras que nos conforte...
Neste teu declinar de luzes,tu não chorastes
um momento sequer...
A única dor que em ti fez morada, foi a dor
da partida...
Uma dor oriunda dos teus...
Vinda da tua propria saudade
que prematuramente, tu ja sentias....
Mas, mesmo partindo assim - como um passarinho livre....
Mesmo sentindo essa dor que silenciosamente ti
dilacerava o pobre coração, teus lábios
só pronunciavam bênçãos e desejos de
felicidades para todos nós...
E tua vida, repeitada e íntegra...
E o teu caminhar, proprio de homem honrado,
de homem que sempre temeu a Deus, dá-nos a certeza de
que lá do alto, lá de onde o cèu é mais azul,
se pudesses dirigir-te à nós, na tua voz mansa e suave
como o matiz das flores, dirias mais ou menos
assim, a cada um de nós em particular:
"Que a estrada se abra à sua frente.
Que o vento sopre levemente às suas costas.
Que o sol brilhe morno e suave em sua face.
Que a chuva caia de mansinho em seus campos.
E até que nos encontremos de novo,
que Deus o guarde na palma de Suas mãos..."
O autor
Análise do livro Jose da Gloria
Caro amigo, novamente me emocionei com a leitura do seu livro.
Trata-se de uma linda história recheada de sentimentos nobres e lições de vida. O protagonista é envolvido por segredo e mentira . Uma infância sofrida de ilegitimidade e pobreza que enfrenta com bravura. Um cotidiano áspero de fome e miséria.
O autor descreve com fidelidade, o dia a dia das classes menos favorecidas numa dicotomia fúnebre: pobreza e riqueza.
As analogias , destarte as colocações do autor, são perfeitas. Há concordância do começo ao fim.
Senti-me numa viagem de trem; e olhando pela janela, ia percebendo o desenrolar dos acontecimentos, que se desencadeavam com astúcia e sabedoria, sem freio, nos surpreendendo a todo instante.
Com muita sutileza e sabedoria , o autor coloca suas idéias socialistas e nos faz sentir indignação com o preconceito e a miséria.
O livro desperta o interesse do leitor, do inicio ao fim. E quando termina , sentimos na boca um gostinho de quero mais.
Indico a leitura do livro e sugiro que o mesmo seja encaminhado para o departamento de produção de novelas das televisões.
Parabéns e que Jesus continue te iluminando
Sandra Vasconcelos é professora de História, Pedagoga, Bacharel em Direito, Pós Graduada em Gestão Educacional pela UNICAMP, Escritora, Poetisa e Acadêmica Titular da ACLA.
À Guisa de Prefácio.
Mas a cidade onde ela acontece, é real: existe
e sempre existirá.
Nela eu nasci, porém, muito
pouco, vivi.
Mas dela guardo as mais gratas
recordações da minha vida - minha infância querida.
Sempre na primavera para lá eu
ia... Duas horas de viagem a pé, por uma estrada mal cuidada e de terra batida.
Era um tempo de flores... um
tempo de chuva ... um tempo de barro... o cheiro de capim gordura, pendulando nos seus vales
ou em suas montanhas, os coloriam de um verde muito oliva.
Glória... nome que te deram
quando nem nascido eu era, mas que guardo com inteiro carinho em meu coração.
Terra das minhas raízes... raízes que formaram minha origem... a minha vida...
Neste paupérrimo relato, os
vocábulos podem muito bem soar sem sentido, ou até mesmo sem inspiração. Isto
vai depender diretamente daquele ou daquela pessoa, que nessa viagem se
aventurar. A cidade também poderá parecer a todos irreal ou inconcebível, mas
para mim isto não importa.
O importante é que eu escolhi
este relato, para nele gravar com letras de fogo a frase: “EU A AMO”. Pois
incorporando um semideus que define quem vive, quem morre, quem ama, eu então a
coloco grande e magnífica, como gostaria
que já fosse.
E aos supostos viajantes que
passearem por estas linhas, eu peço que compreendam esta minha intenção,
deixando fluir em seus corações, um pouco deste amor platônico (eu bem sei),
mas que sempre tive e sempre terei, por este meu torrão natal.
O Autor
Capitulo 01
Estava fazendo dois meses que
o Sr. Ramiro, rico empresário e dono de uma fortuna considerável, tinha mudado
seus hábitos.
Cansado dos muitos sistemas de
segurança, que por obra sua mesmo, foram implantados no seu dia-a-dia, que
monitoravam seus passos, desde sua residência até às suas empresas.
Segurança esta, que por ser
ele uma pessoa abastada, era de vital importância mantê-la sempre em atividade,
para a própria sobrevivência sua e a de seus familiares. Aliás, quanto a isso,
com relação a sua esposa Mariana e seus três filhos: Alisson um ano e dois
meses, Anderson de quatro e Wiler de quase seis, ele jamais abriu mão dela.
Infelizmente esta ciranda
financeira, patrocinada pela fusão do capitalismo selvagem com a total
aceitação da globalização do mundo, implantada em nossa sociedade por estes
mesmos empresários, faz com que nós, homens comuns sejamos os presos albergados
dentro de nossas próprias casas, e eles, os ricos, passem a se deslocar para
qualquer lugar deste planeta “com seguranças”, ao em vez de: “ em segurança”.
Talvez, esteja aí uma frase filosófica para se pensar: “se eles, os ricos, se contentasse com uma fatia menor neste bolo
econômico, nossas vidas e por consequência também a deles, poderiam ser
bem melhores”.
Mas enquanto isto não
acontece, o que se vê é a velha “corrida do ouro”, que séculos atrás se
verificou no oeste americano, agora acontecendo nas cidades grandes de todos os
países do mundo, tendo como os maiores promotores, esta minoria de ricos
empresários, infelizmente.
E este sistema de vida que não
podemos jamais chamar de “modus vivend”, em contra partida, provoca uma série
de efeitos colaterais indesejáveis. E um
deles, é o stress, que mais cedo ou mais tarde, acaba se instalando nestes
mesmos indivíduos fazendo com que se tornem excessivamente temperamentais e
impacientes.
Este era então o estado de
momento, deste empresário do ramo de alimentos, residente na cidade de
Caranaíba-MG, no estado gigante de Minas Gerais.
--- Vou fazer minha caminhada... - disse Ramiro a sua
mulher, enquanto trajando um training de moletom azul e um tênis de marca, se
dirigia apressado para porta de saída da sala de estar.
--- buaaaaaaá... buaaaaá... - Ouviu-se o estridente choro de Alisson, que
sentado em sua cadeira de alimentação, e preso pelo cinto de segurança dela,
não tirava os olhos de seu pai.
--- Que foi meu filho?
- Interveio sua mãe, tentando
acalentar o garoto.
Ramiro ao ouvir o choro,
estando já na porta, voltou-se na direção do garoto, falando ao mesmo tempo
para sua esposa:
--- Deixe que eu o levo na caminhada... só hoje.
--- Nada disso... - disse Mariana. E continou - Você vai
muito longe e ele não vai aguentar uma caminhada assim, nem mesmo no colo de
alguém...
--- Não... não...
pode deixar... Hoje eu vou fazer
um percurso menor e depois, também não sou doido, será que você está pensando que
eu vou deixa-lo caminhar?
--- Não Ramiro, de jeito nenhum... ainda mais que você
cismou de não levar nenhum segurança junto, nessas caminhadas...
--- Deixa de ser boba, mulher - e pegando a criança no
colo, foi saindo com ela retrucando à guisa de saída. - ... Acho que você acha que eu sou criança?
Será que você não está vendo que é cedo demais, ainda não são nem seis horas da
manhã.
--- Olha Ramiro. eu já vi uma pessoa teimosa, mas juro
que nenhuma, tanto quanto você. Disse ela já quase gritando a parte final da
frase. Pois seu marido já estava no portão com Alisson
Ramiro saiu carregando o garoto no colo.
Alissom muito sorridente, estava fascinado por estar na rua. A manhã não estava
fria, apesar do sol ainda não ter dado sua cara.
Todos os dias Ramiro fazia
esta caminhada pelos quarteirões próximos a sua casa, mas hoje, especialmente
por causa do seu filho, ele a reduziu. E para esta redução, teve que passar
pela pequena estrada de terra que atravessava, o também pequeno Bosque
Municipal. Este, distava mais ou menos umas quatro quadras de sua residência. E
foi aí nesse pequeno bosque, ainda deserto pela alvorada do dia que nascia, que
aconteceu o imprevisto.
Três bandidos, todos usando
luvas de borracha, chegando por trás, jogou-o ao chão. Ramiro ao ser abalroado
e antevendo que ia cair, rodopiou seu corpo para então cair de costas. Desta
maneira evitou que Alisson se machucasse com sua queda. Imediatamente uma arma
foi colocada em sua cabeça, fazendo-o ficar imóvel no chão. Alisson assustado,
começou a chorar. Uma voz metálica soou fria, no ar.
--- Rápido... deixe o garoto no chão, e venha conosco.
Pela ordem ouvida, o
pensamento de Ramiro extrapolou a velocidade da luz. ... sequestro... e querem a mim... mas e o Alisson?...
--- Obedeça e largue o garoto... o melhor para ele é
ficar por aqui... não queremos nenhum estorvo. Disse o segundo marginal enquanto apoiava com
estrema violência seu joelho na barriga de Ramiro, ao mesmo tempo que se
preparava para algemá-lo
Diante do dilema, Ramiro
preferiu deixar seu filho sentado na terra, e pensou: ...na melhor das hipóteses, com
a minha demora... alguém virá e o achará aqui...
Levantado com a ajuda de um
dos bandidos, foi imediatamente empurrado para dentro de um carro, onde foi
forçado a deitar-se no chão da parte traseira. Ali estirado, ouviu o choro
sentido do garoto, abandonado na terra. O carro saiu em disparada.
Um rapaz, que era o terceiro
bandido, sentou-se perto da cabeça de Ramiro, encostando nele sua arma. O
segundo, sentando-se do lado de suas pernas,
colocou um de seus pés em suas costas, justamente para força-lo a
permanecer deitado.
A “via crucis” de Ramiro
continuava, não sabia ele se preocupava com sua vida ou com a de Alisson,
deixado sozinho naquele bosque.
Dentro do carro, o silêncio
imperava. E dentro deste clima de medo, Ramiro voltando a realidade, notou que
o rapaz que segurava a arma encostada em sua cabeça, tremia demasiado. Era
visível o grau de seu nervosismo. Ramiro tentou acalmá-lo.
--- Calma garoto... eu é que deveria estar nervoso,
afinal, você está armado.
--- Cale a boca... disse ele forçando o cano da arma, contra sua
cabeça.
“A emenda ficou pior do que o
soneto”. Com a intervenção de Ramiro, o
rapaz passou a tremer mais ainda.
Depois de quinze minutos de
viagem mais ou menos, o carro em disparada entrou numa curva, e sem que o
motorista esperasse passou por um quebra-molas sem reduzir a velocidade. O
solavanco foi tão grande, que mesmo sem querer, a arma do bandido mais moço,
disparou. A bala penetrou no crânio de Ramiro, e sua morte foi imediata.
Um
dia li em algum lugar a seguinte frase: “Duas coisas nos conferem sentido de
realização pessoal: 1 - Conseguir aquilo que planejamos; 2 - Desfrutar aquilo
que conseguimos. Só os mais sábios conseguem a segunda...” E não sei porque,
mas acho que ela se encaixa muito bem aqui, ou talvez, seja apenas impressão
minha.
Depois daquele tiro acidental,
o bandido mais velho, que estava sentado no banco de trás, disse:
--- Sujou. Procure um lugar ermo pra gente “abandonar
o barco”.
Na mesma hora o motorista
enveredando por um beco estreito, saiu numa estrada vicinal de terra batida, e
eles abandonaram o carro logo à frente. Seguindo cada um em uma direção.
*************
Chorando muito, Alisson
engatinhava totalmente desnorteado em meio à poeira solta, daquela rua de terra
do Bosque Municipal.
Já estava ele com sua fralda
toda molhada por vários xixis e por isso mesmo, todo sujo de barro, quando
apareceu um homem de cor, empurrando um carrinho de madeira, no qual
transportava papelões e latinhas de cerveja, que catava nas ruas e praças da
cidade. Este homem vendo o desespero do menino, e julgando-o pela sua sujeira
em que se encontrava, se tratar de uma criança abandonada por sua família. Aproximou-se
dele e pegando-o no colo, disse:
--- Vem cumigo... onde come quatro, mais um num vai
fazê deferença, não.
Alisson foi erguido do solo e
colocado sentado entre, e por sobre os papelões que já estavam no carrinho. A
mudança de situação, isto é, a saída da terra para o carrinho, fez com que ele
se acalmasse, e com o inicio da viajem, chegou até a sorrir.
Quarenta minutos depois,
chegaram ao barraco onde este homem morava, situado na orla final de uma
favela. Era um barraco construído com tábuas de caixotes desfeitos e restos de
materiais de construção, achados todos no lixão da cidade, que ficava ali
perto.
Ao entrar naquela mísera
tapera, sua mulher vendo-o com aquela criança nos braços, indagou admirada:
--- Onde ocê arrumô essa criança, Firmino?
Firmino era seu nome. Como já
disse, de cor, magro e espadaúdo, usava um cavanhaque próprio dos negros que
optam por deixar a barba crescer. Não era casado, nem emprego ou profissão
sequer tinha como trunfo para criar sua família, isto é, sua amante e seus dois
filhos.
--- Foi jogada fora... Tava lá naquele bosque do
centro. --- respondeu, enquanto colocava Alisson em cima daquele estrado
armado, que servia de cama para eles.
--- E ocê foi trazer pra casa?
--- Ah!... muié... onde come quatro, come cinco... e adispois...
ah... eu num tive corage de dexá este moleque chorando no chão, não.
--- Só Firmino, que aqui a coisa num é assim, não...
aqui onde quatro já passa fome... cinco,
vai ficá pior. --- disse a mulher.
--- Ah... zira,
se ocê num quizé, ocê dá prus otros... mais eu num tenho corage prisso, não... ocê resorve... eu vou é vendê
os papelão de hoje.
Dizendo isso, Firmino saiu
puxando seu carrinho rumo ao ferro-velho, onde todo dia, vendia as suas
sucatas.
Zira, isto é: Alzira , este
era o seu nome, mas desde que conheceu Firmino ficou sendo chamada por esta
fração do nome, ficou ali olhando aquela criatura brincando com suas mãozinhas,
conjeturando sozinha.
Na realidade a grande e única
preocupação daquela mulher, era com a alimentação, pois no seu dia-a-dia, os
dois filhos que já possuía, tinha dia que não tinham nada para comer. Na
pequenez do seu mundo não passava preocupações de saúde, dentistas, médicos e
estudos, isto era considerado luxo e era administrado como podia, mas o
estômago, não, este, ela sabia que reclama toda hora, e principalmente numa criança daquela idade.
****************
Sete horas da manhã. O
segurança de nome Armando, que passara a noite guardando a mansão, chegou da
rua onde a mandado de Mariana, fora atrás de seu patrão, que já passava da hora
de regressar.
Mariana apavorada, esperava na
porta por alguma resposta, visto que já tinha percebido o retorno do segurança,
sem a companhia de Ramiro.
--- E aí, Armando? Gritou.
--- Não encontrei não, Dona Mariana. Fiz o trajeto
todo que o patrão tem costume de fazer... nem sombra deles. Respondeu Armando.
--- Ai meu Deus... o Alisson está com ele... e ele
ainda falou que ia fazer um trajeto menor, justamente por causa do menino... já
eram para estarem de volta.
--- Não sei não, Dona Mariana... mas acho que a
senhora deveria chamar a polícia...
--- Não, ainda não... vá você dar mais uma olhada... ele deve estar
por ai, mesmo.
Armando saiu novamente. Agora
optou por fazer o trajeto ao inverso pelas proximidades da residência, mesmo
porque, se nada houvesse realmente acontecido a eles, já deveriam estar
realmente por perto.
Enquanto Armando saia pelo
portão, Mariana tocou o telefone para
casa de seus pais.
--- Alô?... mãe?... mãe me ajuda... pelo amor de Deus,
me ajuda... eu já estou sem saber o que faço.
--- Fala minha
filha... ajudá-la em quê? Perguntou sua mãe também aflita, do outro lado
da linha.
--- O Ramiro saiu cedo para caminhar e não voltou até
agora. E... e ainda por cima ele levou o Alisson, com ele.
--- Calma minha filha... calma que deve estar tudo
bem. Ele apenas deve ter passado em algum lugar para distrair o menino, por isso está atrasado...
--- Não sei, não mãe... estou com um pressentimento
horrível.
--- Calma... nestas horas a gente tem que ter muita
calma, filha. Eu vou desligar e vou com seu pai para te fazer companhia. Fique
com Deus.
Desligando o telefone, Dona
Margarida disse:
---Vamos depressa Oswaldo, eu também estou com um mal pressentimento.
Sr. Oswaldo, que acompanhava o
diálogo ao telefone enquanto tomava seu café, não disse uma palavra.
Imediatamente, largou sua xícara na mesa e foi para a garagem pôr seu carro em
funcionamento, enquanto esperava pela esposa.
Dona Margarida chegou e
entrando no veículo, disse.
--- Ramiro é muito teimoso... a pessoa quando chega a
um nível igual ao que ele tem, tem que
agir com mais cuidado...
--- Eu cansei de falar com ele, mas ele acha que
desgraça só acontece com os vizinhos, hoje, logo que aparecer uma oportunidade,
eu vou ter mais uma conversa séria com ele.
Quando chegaram à porta da
mansão, o vigia Armando estava retornando da sua segunda batida às ruas. Ele
vendo os sogros do patrão descendo do carro, interpelou-os.
--- Bom dia...
--- Ôi Armando... bom dia, já tem alguma noticia?. ---
Perguntou aflita Dona Margarida.
--- Não madame, eu até acho bom a senhora estar aqui com o sr.
Oswaldo, porque temos que chamar a polícia... não importa se enquanto fazemos
isso, eles apareçam, o importante é não deixar passar muito tempo.
--- Eu vou fazer isto imediatamente, disse o velho. Vamos
Margarida... vamos entrar que eu vou telefonar para a policia.
Dizendo isto ele foi entrando
no portão, seguido por sua mulher e o segurança da casa.
Ao ouvir os passos na escada,
Mariana apareceu na porta.
--- Mãe?!... Pai?!... Armando... não encontrou nada,
Armando?
--- Não senhora...
Mariana abraçou seu pai, e
este passando-a para o ombro da mãe, disse:
--- Vou ligar para a polícia...
Dona Margarida, levou sua
filha para cozinha e deixando-a em soluços numa cadeira, começou a preparar-lhe
uma água com açúcar.
Neste momento chegou à cozinha
o garoto Wiler, de pijaminha, descalço
e esfregando os olhinhos. É que com o
choro de sua mãe, ele havia acordado e descido da cama. Dona Margarida ao
vê-lo, pegou-o no colo e tentou brincar com ele.
--- E como vai o meu príncipe? Ainda tá com soninho...
tá?... senta aqui nesta cadeirinha, porque descalço você pode ficar dodói... e
deixando-o acomodado, voltou a preparar o calmante para sua filha.
Os empregados da casa
começaram a chegar. Marina e Sara eram as babás, Conceição a cozinheira, Fátima
a arrumadeira, Gustavo o motorista, Severino o segurança que acompanhava Ramiro
e Orlando o segurança da casa que chegava para render Armando, o segurança da
noite. Todos ao passarem no portão pelo Armando, este ia colocando-os à par dos
acontecimentos.
Conceição, ao entrar na
cozinha, vendo a avó cuidando da filha em prantos e do neto, começou a chorar
também, dizendo:
--- Ô gente... Deus é muito grande... não aconteceu nada
, não...
Ao ouvir a voz da mulher,
Mariana levantou a cabeça e interrompendo seu choro, exclamou:
--- Conceição?!... já chegou?!... nossa Mãe!... então
já são mais de oito horas... ah! Minha mãe... aconteceu uma desgraça mesmo...
Ramiro nunca demorou tanto assim... e o Alisson... nem chegou a mamar, coitadinho...
--- Calma minha filha. Tudo vai se ajeitar. Tenha
confiança em Deus. --- disse sua mãe. Mas nem ela mesma estava acreditando no
que acabava de dizer.
Ouviu-se a sirene do carro da
polícia.
Sr. Oswaldo entrou na cozinha
e disse:
--- Venha minha filha... a polícia está chegando, e
por certo vão querer falar com você. Vamos lá para a sala.
Logo que se acomodaram,
Armando, o segurança da noite, que não quis ir embora para casa, fez o policial
entrar.
--- Bom dia à todos. Cumprimentou o investigador.
Capitulo
02
Mal estacionado à margem
daquela estrada vicinal, o carro acabou por chamar a atenção de um sitiante,
que chegava à cidade montado em seu cavalo. Fazendo com que o animal pareasse
com o veículo, a princípio com medo da abordagem, mas à medida em que a fazia,
foi se certificando de que o mesmo estava desocupado, ele então se acercou-se do carro. Com os vidros fechados e estes,
refletindo a sua própria imagem, o cavaleiro não conseguiu vislumbrar nada de
anormal dentro do automóvel, que pudesse lhe chamar a atenção. Apenas notou o
quebra-vento totalmente quebrado no lado do posto do motorista, e isso fez com
que ele suspeitasse tratar possivelmente, de um carro roubado.
Abandonando o local, continuou
sua marcha e chegou ao final do beco que desembocava na via principal do
bairro. Logo ali, tinha um policial controlando o trânsito daquela artéria.
Esperou o momento certo, e atravessando a primeira pista, chegou até ele, que estava
no canteiro central. Sem apear de seu cavalo, falou :
--- “Seu” guarda... depois do final daquele beco ali,
--- disse ele apontando a direção, --- ...
logo no começo da estrada de terra, tem um carro parado com o quebra
vento quebrado... Tudo leva crer que se trata de um carro roubado e possivelmente, abandonado.
--- Que carro é? Perguntou o soldado.
--- Ah!... só sei dizer que é branco... de carro eu não entendo nada, não.
--- Tudo bem... eu não posso sair daqui agora, mas vou
comunicar a Central e alguém vai chegar até, lá. Ok? Obrigado.
Feito isso, o cavaleiro
atravessou a segunda pista da avenida e foi cumprir com seus compromissos.
Não demorou muito e uma
viatura com sua sirene aberta, entrou no
citado beco.
Depois de estacionar na
traseira do veículo, a dupla de policiais saiu com as armas em punho e pôs-se a
examinar o intrincado veiculo. Enquanto um abria a porta do lado do motorista,
o outro abria a porta do caroneiro.
--- Tem um “presunto” aqui. --- Disse o primeiro.
--- Cuidado
então... não toque em nada. --- Disse o segundo.
--- Vou apenas certificar se realmente está morto...
de repente ele pode ainda estar com vida.
--- Certo. Enquanto você olha eu vou chamar o
delegado.
O segundo policial foi até a
sua viatura e pegando o rádio, falou:
--- Alô Central!... alô!
--- Fala 101..., --- responderam.
---É o cabo Gilberto, Central... estamos aqui na
rodovia Hamilton de Albuquerque. O carro
denunciado é um gol branco e tem uma vítima dentro.
Nesta altura, chegou o
companheiro que ficou examinando o corpo dentro do carro e falou:
--- Pode pedir o camburão, que o homem está morto. ou
melhor, deixe que eu mesmo completo esta informação, me passe o rádio.
--- Central... é o Soldado Adilson... confirmando... a
vítima dentro do carro está morta... está vestida com um traning azul e
tênis... pode mandar o camburão, desligo.
Enquanto a equipe não chegava,
eles foram anotando o que podiam.
****************
--- Bom dia. --- Respondeu o Sr. Oswaldo, enquanto
convidava o Delegado a entrar e se assentar.
--- Eu me chamo Reginaldo. Sou Delegado de policia e
preciso fazer algumas perguntas. Eu bem sei que nestas horas isto é
desagradável, mas não temos outra alternativa. Contudo... se palavras consolam,
eu posso dizer que enquanto eu estou aqui, minha equipe está vasculhando todos
os quarteirões vizinhos.
--- Tudo bem, Delegado. --- respondeu o sr. Oswaldo
--- nós compreendemos perfeitamente.
--- Então vamos lá, quanto mais cedo começarmos,
melhor. De minha parte procurarei ser o
mais breve possível... a que horas ele saiu?
--- Ainda não era nem seis horas... talvez...
quinze... ou dez para as seis, segundo Mariana nos falou. Respondeu Dona
Margarida.
--- E que roupa
ele trajava?
--- Um traning de moleton azul e tênis... ---
respondeu Mariana, entre soluços, e continuou. --- ...e o Alisson, uma
camisinha fina e fralda ...
--- Ele sempre vai caminhar neste horário? ---
perguntou o oficial.
--- Sim... --- continuou respondendo Mariana.--- não
que seja esta hora, uma hora marcada. Mas quando o Alisson acorda e pede a
mamadeira... enquanto eu levanto para arruma-la, ele se levanta e sai...
--- Ele tem costume de levar o garotinho nestas
caminhadas?
--- Não... nunca levou. Respondeu Dona Margarida,
tentando poupar sua filha, que continua chorando.
Neste momento o telefone
celular do delegado tocou. Ele então pedindo licença, se levantou e enquanto
caminhava para a porta de saída para a varanda, colocou o aparelho no ouvido.
--- Reginaldo... pode falar.
--- Doutor... um
Gol branco foi encontrado na Hamilton de Albuquerque, e tem uma vitima
dentro.
--- Homem ou mulher?
--- Segundo a patrulha 101, trata-se de um homem
trajado com um traning azul... eu mandei o camburão para lá.
--- Tudo bem... eu também vou indo.
E voltando para dentro da
sala, disse.
--- Tenho que atender um chamado, mas gostaria que
alguém aqui de dentro da sala me
acompanhasse. E possível? --- falou isto, mas olhando para o “segurança”
Armando, piscou um olho. Armando
entendendo o sinal, logo se ofereceu para ir no lugar do Sr. Oswaldo, que já
tinha se levantado para sair.
--- Pode deixar patrão... o senhor faz mais falta aqui. Eu vou com o
Doutor.
--- Eu volto a falar com vocês; até logo. Despediu o
delegado e saiu às pressas, levando consigo
o “vigia”.
Sr Oswaldo, com seus quase
setenta anos, simplesmente olhou para sua esposa, que sentada no sofá amparava
a filha, e franziu a testa num gesto característico de que notícias boas, já
não mais deviam esperar.
O local onde o carro se
encontrava, agora estava bastante movimentado. Havia repórteres dos jornais
locais e a TV, investigadores, funcionários de uma funerária e muitos curiosos.
Estacionando o veículo nas
proximidades, o delegado se aproximou do sinistro, e logo foi colocado a par da
situação, pelo cabo Gilberto.
Reginaldo depois de dar uma
olhada no cadáver, fez sinal para que o
Armando se aproximasse.
--- Olhe você... acho que é o seu patrão.
Armando então de moreno que
era, ficou meio pálido. Demonstrando muito nervosismo, abaixou-se um pouco para
ver melhor e gaguejando, exclamou:
--- É-É... infelizmente é ele!...
--- Tem certeza? Não há possibilidade de engano? ---
Insistiu o delegado.
--- Infelizmente, não... É ele mesmo, mas, e o garoto?
... se ele saiu com ele.
--- O garoto ainda é uma incógnita... mas por um lado,
a não estada dele junto do pai, nos dá uma esperança. --- Disse o delegado. E
virando para a sua equipe, determinou --- façam todo o serviço de praxe e
libere o corpo para a funerária. Eu vou comunicar a família. Mas não suspenda a
busca, o garoto ainda está desaparecido. Mantenha-me informado de tudo. ---
Falando isto, entrou em seu carro acompanhado de Armando, e voltaram para a
residência.
Ao entrar na sala, a atenção
voltou-se totalmente para ele, que não se fez de rogado, e foi logo dizendo.
--- Minha senhora... o chamado que atendi agora, foi
exatamente sobre seu marido... infelizmente ele está morto. Mas graças a Deus,
a criança não estava com ele... isso de certa forma nos dá uma certa
esperança...
O desespero se instalou
naquela casa. Mariana aos gritos era consolada pela mãe. Os meninos, Wiler que
já tinha acordado, e agora também o Anderson, se juntavam também aos presentes.
As babás: Marina e Sara, desatinadas, não sabiam o que fazer. Fátima e
Conceição choravam uma abraçada à outra. O telefone não parava de tocar. Sr.
Oswaldo o atendia e dava informações vagas, se limitando apenas a confirmar a
morte do genro, porque os interlocutores já diziam ter visto na televisão.
O delegado tentando ajudar os
familiares, pegou o fone na mão do sr. Oswaldo e colocando-o no gancho,
desligou sua tomada, e disse para ele:
--- Calma sr. Oswaldo... o telefone agora só
atrapalha... faça o seguinte: pegue o celular e ligue para o serviço social da
empresa e peça que mande alguém para cá, e que tragam também um médico. Sua
filha precisa de cuidados, além disso, é necessário que se tomem algumas
providências para o velório e o próprio sepultamento.
****************
A permanência de Alisson
naquela tapera, já havia sido definida pela mulher. Tanto Alzira quanto
Firmino, ambos não possuíam índoles más. Apenas, se por um lado o marido agia
mais por impulso, sua mulher, ao contrário, procurava sempre agir mantendo seus
pés no chão. Mas a pobreza que sempre se fez companheira inseparável dos dois,
não havia de maneira alguma, endurecido
seus corações.
Alzira ia fazer 34 anos, cor
branca estatura mediana, trazendo sempre seus cabelos presos; ora por algum
apetrecho de plástico, ora por um lenço. E hoje, depois que Firmino saiu para
vender sua mercadoria, ao ficar ali cismando sozinha diante daquele anjinho,
colocado em cima do estrado que servia de cama para eles, resolveu adotá-lo
dizendo para si mesma:
--- Nóis num sabe o futuro... eu num ia querê nunca
que meos fios fosse destratado assim... Deus, é pai... e vai ajudar nois.
Depois então buscou uma
vasilha com água e retirando aquela fralda imunda, esfregou no corpo do garoto
um pedaço de pano que ia molhando-o e torcendo-o, na água da vasilha.
Ainda estava ela fazendo a
limpeza do garoto, quando seus dois filhos apareceram. Eles estavam dormindo
numa espécie de quarto, onde na verdade, não cabia mais do que outro estrado de
cama e bem menor que o primeiro. Ao verem o garoto, as perguntas logo surgiram.
--- De quem é este neném, mãe? --- Perguntou Toím,
oito anos , mulato e filho mais velho de
Alzira.
--- É arrumação do Firmino.
--- Ele vai sê nosso, mãe? --- Perguntou Nando, também
mulato como seu irmão, mas dois anos mais novo que ele.
--- É... ele foi jogado fora. --- Disse a mãe.
--- Cumé que ele chama? --- Retrucou Toím.
--- O neném?... é... é neném... um dia nóis põe nome
nele.
E não querendo ficar ali
respondendo o que na verdade não sabia, pediu aos dois para ficarem ali
brincando com ele, enquanto ela ia arrumar alguma coisa para eles comerem.
Na outra parte da casa, no que
deveria ser a cozinha, também era só um lugar diminuto onde ficava um fogão à
gás, um caixote pequeno com uma tábua atravessada ao meio, que servia de
prateleira, e uma lata grande de água, que servia para cozinhar. Alzira, que
todo dia fazia acontecer o milagre da multiplicação dos pães, colocou um pouco
d’água para ferver junto com um punhado de arroz, enquanto procurava por uma
casco de guaraná e uma bexiga que até aquele momento, tinha sido brinquedo para
os meninos. De posse destes objetos, depois que a goma de arroz chegou no
ponto, resfriou-a e adicionou à ela um pouco de açúcar. O resultado desta
“alquimia”, ela colocou dentro da garrafa onde adaptou a bexiga de maneira a
permitir que Alisson pudesse mamar. E chegando perto dele, disse:
--- Eu criei meos dois fios cum isso... e vai sê cum
isso, que ocê também vai sê criado.
E Alisson, depois de mamar
aquela goma de arroz, dormiu chupando os seus próprios dedinhos.
Alzira deu então um pouco de
café com um pedaço de pão de ontem, para os meninos que acabavam de acordar, e
pegando um saco, bem como, o par de luvas grossas, que além de sujas estavam
bem gastas e que ficava penduradas atrás
da porta, disse pra eles:
--- Ôcêis agora tem que tomá conta do neném, enquanto
eu vô trabaiá... num fica brincando
longe daqui não...
O trabalho de Alzira era ali
mesmo no lixão. Toda manhã, ela se
juntava às dezenas de mulheres, homens e crianças, que sem escrúpulos nenhum
procuravam no lixo, que chegava à noite em caminhões da prefeitura, a
sobrevivência de suas famílias.
Por volta de meio dia, ela
retornou. Na sua chegada, vendo os meninos brincando, perguntou pelo neném.
Toím, respondeu.
--- O pai chegô... e deitô lá, com ele.
--- Deus seja lovado... ele mata aquele menino.
E largando o saco no chão,
entrou às pressas no barraco e foi
direto onde ficava a cama. Firmino molhadinho de suor, dormia na sua beirada e Alisson sentado no canto, brincava com
um molho de chaves. No ar, aquele cheiro acre de cachaça. Alzira pegando o
garoto falou para si.
--- Bebeu... êsse iscumungado, bebeu... eu nun sei
pruquê eu ainda fico cum ele...
Ela colocou o menino no chão,
do lado de fora da casa e chamando Toím e Nando, mandou que eles passassem a
brincar perto dele, enquanto ela ia preparar o almoço.
Chegando na restrita cozinha,
viu um embrulho em cima do fogão e do lado deste, um pacote de leite. Abrindo o
embrulho, exclamou:
--- Pé de frango... ôtra veiz pé de frango... se num
tivesse gastado cum pinga, o dinheiro tinha dado pra comprá umas asinha...
enfim... que fazê?
Depois daquele minguado
almoço, que não passou de uma canja de arroz cozida junto com meia dúzia de pés
de frangos, Alzira foi separar as quinquilharias que trouxera do lixão.
Uma panela de alumínio furada
e sem cabo, um pacote de jornais velhos,
pedaços de fios de cobre e alguns cascos de vinho que colocou para serem
vendidos no ferro velho. Por último retirou de dentro do saco uma mamadeira de
plástico, toda trincada e com sua chupeta cheia de barro. Ao separar esta peça,
ela disse para si mesma. --- Agora posso vendê aquela garrafa qui fiz de
mamadeira.
Capitulo 03
Na qualidade de rico
empresário e dono de uma rede de supermercados, Ramiro teve como uma última
homenagem, a honra de ser velado no salão nobre da prefeitura. A urna em que
estava, fora feita em madeira de lei na cor caramelo e envernizada. Ela ficou
constantemente fechada, permitindo aos visitantes apenas a visão de seu rosto,
através de um pequeno visor de vidro.
Á volta do esquife, Mariana
sob forte dosagem de calmante, ministrada pelo médico da família, estava
sentada em meio aos seus pais e chorava. Sua mãe já não tinha mais palavras para
confortá-la, e por isso mesmo, era também solidária nas lágrimas. Sr. Oswaldo
estava serio e compenetrado. Wiler e Anderson, ficaram em casa em companhia das
babás, eles eram muito pequenos para entender que seu pai estava indo embora.
Quase todos os funcionários das empresas estavam presentes, pois nenhum
estabelecimento de propriedade da família, abriu suas portas no dia de hoje.
Muitas autoridades compareciam com suas condolências. A cidade praticamente
parou para render-lhe suas últimas homenagens. As Rádios e a TV locais, davam
flashs quase que de hora em hora.
As Três horas da tarde, uma
missa de corpo presente foi celebrada na Catedral dos Anjos, que fica na Praça
Paulo Henriques de Assis, defronte do chafariz. Logo após a missa, o padre
conduziu a cerimônia de réquiem.
Ás quatro horas e trinta
minutos, o cortejo fúnebre deu entrada no Campo Santo. E na quadra 55, tumulo
14, uma fenda aberta no gramado, aguardava o depósito de seus restos mortais.
Antes de ser definitivamente sepultado, o superintendente da empresa, pedindo
licença à família, fez em nome de todos os empregados uma pequena oração de
despedida.
“Que a estrada se abra à
sua frente,
Que o vento sopre levemente
às suas costas.
Que o sol brilhe, morno e
suave, em sua face.
Que a chuva caia de
mansinho em seus campos.
E, até que nos encontremos
de novo,
Que Deus te guarde na palma
de Suas mãos.”
Mariana pediu para não ver o
resto da cerimônia, e então, amparada por seus pais retirou-se do local. O
choque para ela não tinha terminado, Alisson continuava com destino ignorado.
Ao chegar em casa, totalmente
desfalecida, foi finalmente vencida pelos remédios.
Aproveitando o sono da filha,
seu pai ligou para o delegado Reginaldo, incumbido das investigações, e
perguntou a quantas andava o trabalho da polícia. Reginaldo respondeu que todo
o carro fora aspirado e que teve um minucioso levantamento de impressões
digitais. Contudo estas providencias só começariam a ajudar a elucidação do
caso, daqui alguns dias, e que por hora, como nada de anormal foi encontrado no
interior do veiculo, ele continuava “com as pernas e as mãos amarradas”. Mas
afirmou entretanto, que ele e sua equipe, não estavam parados não, mas enquanto
não se descobrisse pelo menos uma testemunha para o crime, a investigação
continuaria meio embrionária. E terminou sua explicação confortando sr.
Oswaldo, dizendo-lhe que a falta de notícias sobre o garoto, tinha que ser
encarado como boa notícia.
*********************
A empresa de Ramiro, que de
agora em diante passava a ser de Mariana e seus filhos, foi na verdade herança
dos pais de Ramiro.
Sr. Olegário montou a empresa quando Ramiro,
ainda era estudante de Ensino Médio. Nesta época abriu ele uma loja com o nome
de Supermercado Orimar. Nome este, que foi uma homenagem feita ao seu único
filho, pois Orimar nada mais é do que o nome Ramiro, lido de trás para a
frente.
Logo que Ramiro terminou a
faculdade de Economia, seu pai começou a
introduzí-lo na empresa, e para isto, abriu mais uma filial em um dos bairros
mais populosos da cidade de Caranaíba. Esta filial ficou sob a jurisdição de
Ramiro, mas ainda assim, sob a supervisão de seu pai. Logo depois, Ramiro
casou-se com Mariana, que também vinha de um Bacharelato em Direito.
Sr. Olegário, para evitar que
sua nora viesse a trabalhar nos ambientes de prisões federais, cadeias públicas
e coisas do gênero, que em sua cabeça, eram consideradas de alto risco para uma
mulher, formou o Escritório Central, onde concentrou toda a direção da sua empresa, criando assim
emprego para ela com seu diploma.
Por esta época, a fatalidade
se fez duramente presente na vida de Ramiro. Dona Filomena, sua mãe,
inesperadamente sofreu um ataque cardíaco fulminante e veio a falecer. Este
fato teve uma forte influência na formação de sua personalidade. Ramiro se
fechou em um verdadeiro caracol, tornou-se mais arredio, conversava pouco e se
mostrava bastante desinteressado pela vida.
Mariana, numa tentativa de
salvar seu marido e o próprio casamento,
se engravidou. Nasceu-lhes então, Wiler.
A chegada do garoto, realmente
conseguiu quebrar o marasmo da vida de seu marido. Como resultado, a empresa
então voltou a crescer, e mais duas filiais são abertas: uma na cidade de
Cristiano Ottoni e outra na cidade de Conselheiro Lafaiete. E a firma passou-se
a chamar “Rede Orimar de Alimentos Ltda.”
De bem com a vida e não tendo
mais com que se preocupar, Mariana novamente se engravida, agora por descuido
seu. E faltando 4 meses para o final desta sua
segunda gestação, resolveu abandonar o emprego e dedicar-se
exclusivamente à criação de seus filhos. Decisão esta, que encontrou em seu
sogro, machista apaixonado, um forte e ferrenho aliado.
Anderson chega ao mundo num
clima de muita felicidade.
Ramiro muito motivado, passou
a responder pelo Escritório Central. Sorte sua e da firma. Pois um ano depois a
fatalidade voltou a fazer parte de sua vida, e desta vez, levou seu pai.
Hipertenso como era, Sr. Olegário, um belo dia, caiu dentro de uma das filiais
e apesar de ter sido socorrido imediatamente, chegou ao hospital já em coma. Os
médicos da Santa Casa de Caranaíba tudo fizeram, mas infelizmente chegaram ao
triste diagnóstico de que o paciente já estava com morte cerebral. A agonia de
Ramiro se prolongou ainda por mais dez tristes e hediondos dias. Quando
finalmente aconteceu a falência dos órgãos vitais e com a consequente parada
dos instrumentos. Seu pai pode finalmente juntar-se à sua mãe Dona Filomena,
nos verdes campos do Cemitério Jardim.
Um calvário novo começou para
a pobre Mariana. Ramiro mergulhou
novamente em sua depressão, e por mais um ano e meio ela voltou a trabalhar no
Escritório Central, para suprir as
faltas tempestuais de seu marido.
No final deste período ela
nomeou o sr. Cardoso, Superintendente
Geral, da firma. Posto este, que na falta de Ramiro, dava a ele, amplos
direitos para tomar decisões. Esta nomeação não foi impensada, não, “Seu
Cardoso”, assim que era chamado por
todos os seus colegas; além de ser o mais capacitado e culto entre os demais funcionários do Escritório,
sempre gozou de muita confiança, não só no tempo de seu finado sogro, mas
também no tempo de seu marido. E esta decisão, veio também em função da
constatação de sua terceira gravidez.
Com o nascimento de Alisson,
Ramiro mostrou-se um pouco mais aguerrido. Voltou a trabalhar em horário integral,
mas todavia, jamais conseguiu sair de seu casulo particular. Conversava muito
pouco e se preocupava somente com a segurança da esposa e dos filhos. Sobre a
sua própria segurança, pouco se importava. E foi por este descaso, que a
situação atual, chegou no ponto em que
se encontrava.
******************
Uma semana se passou, e a
situação não alcançou nenhuma melhora. Se fosse simplesmente a morte do marido,
e por ser a morte um estado sem alternativa, poderia se admitir que as coisas
já estivessem começando a entrar em seus eixos. Mas o desaparecimento de
Alisson fazia tudo ficar da mesma forma.
Mariana continuava sob fortes
medicações. Seu pai, mantinha-se em contato constante, com o delegado. Nenhuma
exigência externa de possíveis sequestradores,
havia acontecido. E este último argumento, era uma alternativa que a policia
esperava que acontecesse: o pedido de pagamento de um resgate.
O delegado por sua vez,
através das impressões digitais, havia localizado o dono do veiculo Gol e seus
familiares. O qual, já havia feito a denúncia do roubo, um dia antes do dia do
crime e a polícia já havia comprovado o paradeiro dele e o de seus familiares,
com relação ao dia fatídico. Da aspiração feita no veiculo, uma parte dos fios
de cabelos encontrados, foram descartados, pois no exame de DNA comprovaram ser
do proprietário e também de seus familiares. Apenas uns poucos fios, ficaram
sem comprovação. E estes, era na verdade tudo o que a policia tinha, para
continuar procurando os criminosos. Enfim,
continuava sem rosto, sem nome e sem sexo, os verdadeiros criminosos ou
simplesmente criminoso.
Depois da missa de sétimo dia
a polícia começou a chamar todos os funcionários da firma, para um minucioso
interrogatório. A vida pregressa de Ramiro começou a ser investigada a fundo.
Sua mesa no escritório da empresa, foi objeto de uma completa varredura. Suas
contas bancárias, tiveram seus sigilos quebrados. Fotos de Alisson foram
espalhadas na televisão e nos jornais. Até em saquinhos de leite, a família
pagou para que fosse neles, estampada.
Mas nada disto adiantou.
Ninguém viu ou ninguém quis falar. O certo mesmo, é que a policia sem
suspeitos, não tinha como chegar a nenhum criminoso. E sem um pedido de
pagamento de resgate, não tinha como vincular o caso a nenhum sequestrador.
*********************
Uma semana também se passou
para o pequeno Alisson.
Acostumado a mamar leites
considerados fortes e a fazer refeições à base farta de legumes cozidos em meio
à carnes, era visível a diferença que ele agora apresentava, depois de passar
uma semana mamando goma de arroz, entremeada com chá de galhos de funcho ou chá
de erva doce, somados a um litro de leite, em todo o decorrer de uma semana
inteira.
Alzira fazia o que podia. Hoje,
domingo, ela saiu cedo e foi fazer feira, visto que pelo calendário semanal,
esta feira se realizava na rua Ernani Nogueira, no bairro da Ponte Alta.
E ela ia de banca em banca,
olhando dentro dos caixotes de lixo, em cujos quais, os donos das bancas
atirava os legumes excluídos. Apenas naquelas em que nada encontrava, é que
arriscava pedir. E conseguia. Só Deus sabe como conseguia. Ouvia muitos
insultos e xingamentos, mas também experimentava às vezes, o carinho de algumas
pessoas.
E hoje quando voltava, com o
sol já a pino, com ela vinha também algumas frutas, umas boas e outras
semi-estragadas e alguns legumes.
Na chegada encontrou Firmino
com o Alisson no colo e seus dois filhos brincando do lado de fora da casa.
Durante à tarde daquele dia,
Firmino construiu aquilo que os ricos chamam de “chiqueirinho”, para que o
neném pudesse dar descanso para eles. E pegando então restos de tábuas e alguns
pregos, fez um cercado onde de dia era colocado do lado de fora do casebre, e
de noite, do lado de dentro, e nesta segunda locação, funcionava como berço.
Capitulo 04
Doze anos separam agora os
personagens deste “teatro”, daquele trágico dia em que Ramiro fora assassinado.
E os que não abandonaram o palco, sofreram às muitas mutações que o mundo
tratou de efetuar.
A família de Firmino teve que
mudar da orla do lixão, desde o dia em que Toím foi picado por uma cobra, nas
imediações da porta do casebre de
tábuas. E ao ser levado para o pronto socorro de Caranaíba, as autoridades
proibiram que eles retornassem para aquela casa. Toím, assistido à tempo,
sobreviveu à cobra, e quando obteve alta, já foi morar debaixo do viaduto, onde
sua família já se encontrava alojada.
O lixo da cidade passou a ser
reciclado por uma companhia. Daí, a renda que eles obtinham oriundas dali,
acabou. Quando Alisson atingiu seus seis anos, começou a sair junto com Nando,
que estando com onze, desde os nove já saia para pedir esmolas nas ruas da
cidade. Toím, que nesta época estava com13, arranjou um sub emprego de lavador
de carros, mas influenciado por “amigos”, desviava boa parte do dinheiro que
ganhava para consumir drogas. Firmino continuou na sua rotina de catar latinhas
de cerveja e papelões, pois era a única coisa que sabia fazer.
Quando Alisson atingiu a idade
de nove anos, um assistente social da prefeitura, ao visitar a família ali
debaixo do viaduto, coagiu Alzira a colocar seus filhos na escola publica, sob
a alegação de que além de estudar, a família ainda poderia contar com a renda
de 15 reais por filho, quantia esta que o governo brasileiro pagava
mensalmente, através do diretor da escola.
Definitivamente, Toím
recusou-se a se matricular. Nando até que tentou, mas depois de três meses, não
voltou mais. Dos três garotos, somente Alisson frequentava a escola. E hoje,
com treze anos já estava no quarto ano do primeiro grau. Nando, hoje com
dezoito, por sua vez, ocupou a vaga de Toím no lava-jato. E Toím, agora com
vinte anos, estava seriamente comprometido com uma gang na favela do Pau
Grande, situada na periferia da cidade, mais para os lados das cidades de
Cristiano Ottoni e Carandaí.
Para Alisson se matricular na
escola, o Juiz de Menores da cidade, teve que iniciar um processo para
registra-lo no cartório, uma vez que nem nome ele possuía. E então, depois de alguns dias, dona Alzira, hoje com
quarenta e seis anos, foi buscar sua certidão de idade no juizado, e esta lhe
foi entregue, com o nome de José da Glória. Pois, uma vez que nem dona Alzira e
nem o sr. Firmino, hoje com cinqüenta e quatro anos, nunca tiveram seus
registros e muito menos sobre-nomes, o sobre-nome colocado no garoto, foi em
homenagem à padroeira da cidade: “Nossa Senhora Da Glória”, que é venerada na
Matriz Histórica de Caranaíba, hoje funcionando só como museu.
Em função do aumento da renda per
capta da família, Alzira forçou a barra e conseguiu que fosse feita uma
“vaquinha” entre os filhos que já trabalhavam, e desta forma, conseguiu alugar
uma casinha simples com dois quartos, na Rua Álvaro Horta Filho, nº 1150, no
extremo da cidade, perto da rodovia Hamilton de Albuquerque, que hoje já
asfaltada, une as cidades de Caranaíba e Capela Nova.
E Alisson hoje ao chegar em
casa, retirando às pressas o uniforme do colégio, sentou-se à mesa para
almoçar. Dona Alzira que já o esperava,
sentou-se também para almoçar com ele.
O garoto estava muito alegre e
radiante, só pensando na história que sua professora Dona Eugênia, havia contado na sala de aula. E não se
contendo, falou para sua mãe.
--- Sabe mãe... a minha professora contou uma história
hoje para nós, que eu achei muito engraçada. E ela falou que isso acontece
muito nos dias de hoje.
--- É?... intão conta pra mim. --- Disse dona Alzira.
--- Ah!... ela é grande... e depois eu não sei se eu
decorei ela toda, não.
--- Uai! Ném... conta o que ôcê sabe. --- Retrucou
dona Alzira.
--- Ô mãe... a senhora precisa parar de me chamar de
Ném... o meu nome é José... pelo menos Zé, né?
--- A vida toda te chamei de Ném... e num é só eu não... o Nando, o Toím, o
Firmino... todos só fala Nem...
--- Tá bom mãe... eu não vou mais falar nisso não...
dizem que pau que nasce torto, morre torto... Mas... como eu estava falando, a
história que a dona Eugênia contou, é mais ou menos assim: Chama-se A ÁGUIA
DOURADA. Quem escreveu foi um tal de Anthony Demello. É mais ou menos assim: “Certa vez, um homem achou um ovo de águia e
colocou-o no ninho de uma galinha que estava chocando, no quintal da casa dele.
Aí, águia nasceu junto com uma ninhada de pintinhos e com eles, ela cresceu. Supondo ser uma galinha, cacarejava
e ciscava o chão à cata de minhocas e insetos. Distendia suas asas e voava a
alguns palmos do chão, como toda boa galinha faz. Bom aí mãe, passaram-se os anos e a águia envelheceu.
Um dia, ela viu um soberano pássaro
nos ares, voando com graça e majestade. A velha águia então olhando para cima, deslumbrada com o que via,
perguntou à sua colega.
--- O que vem a ser
aquilo... que pássaro é aquele?
---
É uma águia, a rainha das aves -
respondeu-lhe a interpelada.
--- Não seria maravilhoso se nós também
pudéssemos voar assim?
--- Nem pense nisso - retrucou a outra. - Você e eu somos galinhas...
Disse a Dona Eugênia, que a águia nunca mais pensou no assunto.
Viveu e morreu na certeza de que era
uma galinha... A senhora já pensou. Que azar que esta águia deu? Se o
homem deixasse o ovo no lugar que ele o achou... a vida dela seria uma outra
vida, e talvez, bem melhor do que aquela
que estava levando, não é?
--- É... --- disse dona Alzira--- má isso é isagêro...
Quando Alisson acabou sua
história, acabou também sua refeição. E levantando-se da mesa, disse para sua
mãe.
--- Bem mãe... a senhora reza pra mim, aí... que se eu
tiver sorte, eu faturo hoje uns trôquinhos.
Falando assim passou a mão nem
sua caixa de engraxar sapatos, juntamente com um pequeno banco de quatro pés, e
foi para o seu ponto diário.
Pegar um lotação nem pensar,
dinheiro para isso nunca tinha. Com sua caixa nos ombros, subiu a rua da sua
casa, atravessou todo o centro da cidade e depois descendo a avenida Professora
Maria Fortunata, passou defronte a Catedral dos Anjos e foi para o centro do
bairro “Horácio Lopes”, onde, no espaço compreendido entre uma das muitas
portas de vidro do Hiper-Mercado Orimar e uma das portas do seu estacionamento, todo dia ele ganhava seu rico dinheirinho.
Pode até ser uma ironia do destino a escolha
deste ponto de trabalho, mas na cabeça do menino só passava a idéia de
trabalhar em um lugar, onde houvesse um fluxo maior de pessoas.
Ali naquela região ficava
muitos profissionais autônomos, tais como: Carrocinhas de pipocas, de algodão
doce, de hot-dog, carregadores e engraxates. Digo engraxates, porque havia um
outro garoto da mesma idade de Alisson, de nome Mário, que fazia ponto ali
também. E entre os dois não havia concorrência. Eram amigos.
Alisson chegava neste local,
colocava seu tamborete encostado no vidro da loja e a caixa logo em frente ao
mesmo, e saia convidando as pessoas que entravam e saiam do estabelecimento, da
mesma maneira que seu amigo também fazia.
Se sua mãe rezou, ou não, eu
não sei. Mas no fim da tarde, já quase noite, ele colocou sua caixa em cima do
tamborete, num sinal de que seu dia de trabalho havia terminado, e entrou na
loja para fazer umas compras com o dinheiro que havia ganho.
Foi direto para o açougue.
Enfrentou uma fila enorme para comprar ½ kg de acém. Depois, pegou um saquinho
de 250g de café na prateleira, e pediu na seção de cereais, que pesassem para
ele 2 kgs de arroz.
Chegando em casa, entregou a
sua mãe as compras que fizera e o resto das moedas que sobraram.
*****************
Já Mariana, hoje com quarenta
e nove anos, nunca se conformou com o desaparecimento de Alisson. No princípio,
só dormia com ajuda de psicotrópicos, mesmo assim depois de chorar muito. Mas
depois, após um longo tratamento com psicólogos, ela conseguiu absorver o
episódio da perda do filho, associando-o a uma possível adoção. Isso não
explicava e nem justificava nada, mas entretanto, fazia com que ela pudesse
conviver com a situação.
Quando conseguiu sair deste quadro depressivo
e agudo, assumiu a direção das empresas, junto com o “seu” Cardoso. Esta
decisão, apesar de contrariar seus pais, com o tempo se comprovou ter sido um
dos fatores mais importantes da sua recuperação. Pois preenchendo seus dias com
o trabalho, tirava sua mente das recordações amargas.
Hoje, quando lembra do garoto
ou, quando vê um garoto na rua, ainda chora. Mas como passa seus dias no
Escritório Central, pouco vê situações iguais as que descritas acima.
Seus pais, sr. Oswaldo com
seus quase oitenta anos, e sua mãe,
apenas cinco anos mais nova que ele, já não mais saiam de casa. Quando
muito, só para irem a missa na Catedral, e aos domingos, para almoçar na casa
da filha.
Wiler saiu ao pai, menos
calado, mas muito responsável. Estes anos todos, mesmo quando ainda era
criança, estudava pela manhã e à tarde,
ajudava sua mãe nas tarefas do escritório.
Hoje, contrariando toda sua
natureza, se mostrava bastante alegre, por ter recebido a notícia de que havia
passado no vestibular para Direito.
Já Anderson, não conseguiu
desassociar-se da ideia de que a morte de seu pai, estava ligada ao fato dele
ter sido dono de uma grande empresa. Seu subconsciente jamais aceitou a firma.
Aos “trancos e barrancos”, se formou no
ginásio. E há mais ou menos dois anos,
se dedica única e exclusivamente à pesquisa de História. E por falar nisso, ele
já estava com um trabalho muito bonito e sério, que desmente totalmente a
história que tinha ouvido falar: “ que as marcas de projéteis que existem nos
sinos das torres da Matriz Histórica de Nossa Senhora da Conceição, da cidade
de Conselheiro Lafaiete, não haviam sido feitas em luta contra os índios
Carijós, mas sim, pela resistência das Tropas Liberais, sediadas em Queluz
(antigo nome de Conselheiro Lafaiete), contra as Tropas Conservadoras,
comandada por Duque de Caxias, na revolução de 1842”.
Baseado neste interesse do
jovem Anderson, Mariana procurava estimulá-lo,
comprando todos os livros que ele pedia. Esperava ela pacientemente, que
um dia, quem sabe, vendo tantas injustiças cometidas ao longo da história, ele
resolvesse sair de seu casulo e tentar a faculdade de Direito.
********************
Eram mais ou menos três horas
da tarde, de um dia de verão bem quente, quando um carrão importado estacionou
em uma das vagas reservadas para a diretoria, no estacionamento do Hipermercado
Orimar, do bairro “Horácio Lopes”.
O jovem Wiler desceu e seguido pelo seu
segurança, o velho Severino, que fora segurança de seu pai e entraram na loja.
Wiler já era conhecido daquele
pessoal que ficava por ali. Não quero com isso afirmar que havia qualquer
relação de amizade entre eles, mas todos, sem exceção, já o conhecia. Pois duas
vezes por mês, em dias não marcados, Wiler comparecia para avaliar o desempenho
da loja, à pedido de sua mãe.
Embora tivesse todo este
status próprio de um homem rico, o rapaz não era esnobe, aliás, pelo contrário,
era muito simples. Mas por “regras empresariais” que as vezes não entendemos
muito bem, ele tinha que manter uma certa distância, para não ser envolvido.
Sentado em sua mesa, no
escritório da gerência, Wiler fiscalizou um pilha de papéis que ordenados,
foram colocados à sua frente. Fez algumas perguntas de ordem organizacional ao
gerente da loja, da forma que sua mãe havia lhe instruído. Assim que terminou
sua vistoria, chamou um dos funcionários que trabalhava ali, e pediu que
chamasse um engraxate, daqueles que ficavam lá fora, pois queria que seus
sapatos fossem engraxados.
O funcionário saiu e voltou
trazendo o Alisson. Fatalidade, ironia, também não. Apenas coincidência, pois
naquele exato momento, dos dois que atendiam ali, Alisson era o que estava sem
freguês.
Chegando, o garoto colocou sua
caixa no chão e sentando na extremidade dela, começou seu trabalho.
Wiler vendo a destreza do
menino, começou a conversar com ele.
--- Como você se chama? Perguntou.
--- José...
José da Glória. Respondeu Alisson, sem parar de trabalhar.
--- Humm!... e quantos anos você tem?
--- Treze... isto é... quase catorze.
--- Ah! é? ---
Wiler sorriu, e continuou perguntando --- ...e irmãos?... Pai?
--- Tenho dois irmãos... e tenho pai também. E se o
senhor precisar, meu irmão trabalha num lava-jato e pode caprichar no carrão do
senhor.
--- Quando
precisar, vou lembrar-me dele... e seu pai?... onde trabalha?
--- Meu pai trabalha na rua. --- Alisson. continuou
respondendo sem desviar seus olhos do trabalho. De vez em quando batia na caixa
com a escova, para que Wiler trocasse o pé.
--- Como assim, na rua? Indagou Wiler, dando uma
risadinha, manifestando assim sua apreciação pelo extrovertimento do garoto.
--- Ah!... ele cata lata de cerveja e papelão...
depois vende tudo no ferro velho.
Desta vez Wiler não achou graça da resposta, não. E com
pena do menino, quis saber mais. --- E ele cata muito?
--- Ah!... ele tem as manhas... sabe onde catá... mas
ultimamente eu tenho feito mais que ele, engraxando... tem muita gente
desempregado lá fora...
--- Você estuda? Continuou Wiler.
--- Lá em casa eu sou único que estuda... meus irmãos
não quiseram, não.
Enquanto Alisson terminava o
trabalho passando a flanela, Wiler fez sinal com a mão para que o gerente se
aproximasse e falou com o Alisson:
--- Olha aqui José... fala com seu pai, para todo dia
vir aqui e procurar o Sr. Leandro, este aqui ó... --- falou isso colocando a
mão no gerente, e continuou, agora falando mais diretamente ao sr. Leandro. ---
nós temos o deposito de papelão... abre uma exceção para o pai dele... e deixe
que ele pegue toda manhã, uma carga no depósito.
--- Mas Wiler... e sua mãe?... --- interrogou o
gerente. --- ... e se ela não concordar.
--- Deixe ela comigo... eu vou comentar com ela esta
nossa decisão. Certo?
Falando assim, Wiler tirou do
bolso uma cédula e dando-a ao garoto, mandou que ficasse com o troco.
Alisson, agradecido, pegou logo sua caixa e
disse, sorrindo e beijando o dinheiro.
--- Obrigado patrão... precisando... é só mandar me chamar.
Depois disso, saiu da sala e
voltou para seu lugar de trabalho. Mas a alegria com que chegou, foi logo
motivo para que Mário perguntasse.
--- Pela sua cara, você deve ter ganhado uma grande
gorjeta?
--- Hein!?... ãm ?... ah! é...ganhei sim... mas não é
esse o motivo da minha alegria, não... --- e sentando no seu banco, continuou
falando --- sabe o que é, Mário?... a gente vê o chefão chegando e saindo da
loja naquele carrão, e a gente sempre fala que ele deve ser muito “metido”...
mas pôxa... ele até que é simples demais... ele me tratou muito bem...
conversou comigo, como se eu fosse um amigo dele... sinceramente, quando eu vi
ele assim de perto... fiquei pensando... novo em idade, e já é praticamente o
dono desse gigante... pôxa... é... tem gente que nasce com o “butão pra lua”, e
outros com a “lua no butão”... este deve ser o nosso caso... Você já parou para
imaginar se este supermercado fosse seu?
--- Ah! José... eu não... pensar isto não vai ajudar
em nada?
--- Tudo bem... eu sei que não ajuda em nada... mas de
vez em quando eu penso... sei lá... acho que isso não faz mal, não.
E a chegada de mais um freguês
para o Mário, interrompeu a conversa dos dois.
Capitulo 05
A partir daquele dia em que
Alisson engraxou os sapatos de Wiler,
todas as manhãs, o sr. Firmino comparecia ao Hiper-Mercado e lá na seção
de embalagens, lotava seu carrinho com papelões para vender no ferro velho costumeiro.
Esta ajuda que a princípio começou a facilitar sua vida, com o passar dos dias,
virou um inferno. Pois em vez de procurar aumentar a sua renda, trabalhando o
dia inteiro como sempre o fazia, sr. Firmino começou agora, a malandrar na
parte da tarde. E como uma mente ociosa, sempre foi oficina para o diabo, ele
agora aproveitava as tardes para beber.
*********************
Foi numa quinta-feira, mais ou
menos por volta das dez horas da manhã, que Reginaldo, o Delegado de Polícia de
Caranaíba, se anunciou para a secretária de Mariana ante à sua mesa, na sala do
Escritório Central.
--- Bom dia senhorita. Sou delegado de polícia da
cidade, e preciso ver a sra. Dona Mariana, com certa urgência.
--- Pois não... o senhor já marcou esta entrevista, ou
ela se tornou urgente agora.
--- Exatamente... eu não a marquei com antecedência,
mas entretanto, necessito vê-la agora.
--- Tudo bem... o senhor aguarde só um momentinho, que
eu vou lá para ver se ela pode recebe-lo agora.
Não demorou muito e o delegado foi introduzido
na sala da empresária. E esta por sua vez, se levantando de sua poltrona
giratória, foi ao seu encontro.
--- Como vai doutor?... entre por favor... --- Mariana
estendeu sua mão para cumprimenta-lo e ambos trocaram os dois ósculos da
etiqueta, ainda na entrada da sala.
--- Bom dia Dona Mariana, e a senhora, como vai?
--- Com a Graça de Deus, a gente vai levando a vida...
--- Respondeu a empresária e apontando para o jogo de sofás da sala, completou
--- mas vamos nos assentar, para que possamos conversar mais a vontade.
--- Bem, Dona Mariana... disse o delegado, enquanto se
ajeitava no assento da poltrona --- a senhora deve saber que o caso do seu
marido, bem como o de seu filho, nunca foram por nós, definitivamente
arquivados. O que na verdade acontece com estes casos, é que por falta de
elementos esclarecedores, eles acabam por ficar num eterno estado de stand-by, podendo a qualquer hora, voltar à
rotina do nosso dia a dia.
--- Ô meu Deus... o senhor encontrou o meu filho? Perguntou
ela aflita.
--- Não... Dona Mariana... infelizmente, ainda não. O
motivo desta minha visita é simplesmente para colocá-la à par dos últimos
acontecimentos.
--- Como assim?... --- indagou ela.
--- A história é longa, mas eu tentarei ser o mais
sucinto possível. Neste final de semana, prendemos um marginal que estava
metido em roubos de carros, aí na cidade. Bom... é rotina, pelo menos em minha
delegacia, sempre que possível, tentar associar os novos detentos, aos crimes
que ainda estão sem definições. Isto nós o fazemos, no momento que efetuamos as
interrogações de praxe, com o intuito de provocar o surgimento de alguma pista
nova... em alguns casos, eles mesmos, os criminosos, ao se defenderem, nos dão as pistas que
estamos precisando para resolver tais casos. E no caso em questão, este sujeito
detido neste final de semana, confessou que havia participado do sequestro do
seu marido.
--- Ah! doutor... e ele sabe onde o Alisson está?
--- Vamos com calma... Dona Mariana. Ele apenas disse
que eles eram em três. O que dirigiu o carro no dia, já está morto. Morreu em
um tiroteio com outra gang, há uns dois anos. O que atirou acidentalmente no
seu marido, na verdade já se encontrava preso com a gente, cumprindo pena por
roubo apenas. Mas agora ele será indiciado novamente e voltará certamente a
júri, e certamente, será condenado pelo assassinato cometido... agora, quanto
ao menino, ele disse que não quiseram levá-lo junto com o pai para o cativeiro,
pois poderia colocar em risco todo plano. E obrigaram seu marido a abandoná-lo,
lá no meio do Bosque Municipal.
--- Então alguém o pegou. --- concluiu ela.
--- É o que eu acredito... alguém, que não sabemos
quem, pode muito bem estar agora
criando-o, como se fosse uma criança abandonada.
--- Mas a cidade não é tão grande assim... se ele
estivesse por aqui, alguém já o teria descoberto --- Disse ela.
--- Bem... eu como policial, tenho que acreditar em
todas as alternativas. Por isso vim aqui, e acho que a senhora devia contar
esta história para todos os seus parentes
e empregados... quanto mais gente souber, mais chances a gente tem de descobrir
o seu paradeiro...
--- O senhor tem razão... para Deus nada é impossível.
--- Bem, Dona Mariana... eu já estou de saída... não
pretendo tomar o tempo da senhora,
apenas advogando conjecturas. --- Disse o delegado, se levantando.
--- Mas ainda é cedo... --- disse ela, também fazendo
o mesmo, e completando a seguir. --- o senhor me perdoe... eu fiquei tão
confusa, que esqueci de mandar lhe servir um café.
--- Muito obrigado... o café fica para outro dia, não
se preocupe.
Dizendo isso, Reginaldo
despedindo, se retirou.
Mariana, foi para a janela do
seu escritório e segurando a longa cortina com uma das mãos, ficou ali olhando
a cidade e se perguntando.
--- Será possível, meu Deus? Será possível que o
Alisson está vivendo em algum canto desta cidade?
************
No dia seguinte, sexta-feira,
Nando estava jogando água debaixo de um Gol lilás, que por sua vez estava no
elevador de carros do lava-jato, quando ouviu uma voz atrás de si.
--- Ôi Nando.
--- Oi Toím... --- Cumprimentando seu irmão, Nando
largou sua tarefa e se aproximou.
--- Tudo bem?... --- Falou Toím, sem sair de cima
daquela moto toda cheia de brilho prateado.
--- Cara!... onde ocê arrumo esta maravia?. --- disse
Nando, completamente embevecido com a beleza daquela máquina.
--- Eu comprei ontem... eu num disse qui ôcê tava
perdendo tempo aí?
--- Nossa!?, malandro... coisa fina, mêmo.
--- E em casa?... a mãe, o pai, o Nem? --- Perguntou
Toím.
--- Tá legal... --- disse o irmão, voltando à
realidade. --- a mãe é que tem perguntado pro cê... tamém ocê sumiu.
--- Diz pra ela qui eu tô bem... --- e enfiando a mão
no bolso, tirou um dinheiro e estendeu para o Nando, depois continuou. --- aqui
tem grana pra três méis de alugué do barraco... eu vô pricisá disaparecê um
tempo.
--- Pru quê?... ocê aprontô arguma? --- Indagou Nando.
--- É... eu cansei de sê mula...
--- Oia lá... num brinca cum esses caras, não...
--- Num tem pobrema não... é questão só de tempo...
despois eles esquece.
--- Toím, Toím... é mió sê pobre vivo, quê rico morto.
--- Eu sei o qui tô fazendo... mas agora eu vou sumi
daqui por uns tempo... diz pra mãe que daqui uns dois mèis, eu apareço de novo.
E falando assim, deu com o pé
no pedal de arranque da moto e abrindo o acelerador, saiu fazendo aquele
barulhão.
Nando colocou o dinheiro no
bolso, abriu novamente a água e retornou ao trabalho.
E até à tardinha, quase noite,
daquele dia, hora em que saiu para sua casa, teve que lavar mais de dez
veículos, entre eles, dois caminhões.
Alisson também teve um dia
muito proveitoso. Todo Inicio de mês, aumentava em muito o fluxo de pessoas na
loja. E em conseqüência, aumentava também em muito os clientes que gostam de
ter seus sapatos engraxados.
E às dez horas da noite,
bastante exausto, já retornava ele levando sua fiel caixa de engraxar no ombro
e uma comprinha de alguns víveres, que havia feito no próprio hipermercado.
Ao chegar no cruzamento da
avenida Professora Maria Fortunata com a rua Geraldo Amorim, cruzamento este,
por sinal muito perigoso, o menino não percebendo um veiculo em alta velocidade
que se aproximava daquele ponto, é atropelado por ele.
Para sorte do garoto, o carro
bateu contra a sua caixa de sapatos e freiou de pronto. A caixa por sua vez, se
desmanchando com a batida, absorveu parte do choque. Contudo, a força
resultante do binário, arremessou-o para trás, em direção à calçada. E em sua
caída, ele bateu com a cabeça no meio fio e desmaiou.
O tresloucado motorista bateu
em retirada. E para dificultar a sua identificação, apagou todas as luzes do
seu veículo. Esta atitude, impossibilitou a anotação de sua placa, pelos
populares.
O socorro para Alisson veio
então da parte dos transeuntes, que por
ali se encontravam naquele momento. Ele foi colocado num carro e levado às
pressas para a Santa Casa de Caranaíba. No anexo do pronto-socorro ele foi atendido. Ainda assim, demorou um bom tempo
para voltar do desmaio. Quando por fim, conseguiu voltar, ainda permaneceu meio “grogue” por um tempo.
O médico de plantão fez a
assepsia dos ferimentos visíveis que ele
tinha. Um na cabeça, que era o mais sério, e outro no abdome, provocado pelas
tábuas e pregos da caixa. Por causa do ferimento da cabeça, embora não chegando
a ser nenhum traumatismo craniano, não lhe foi permitido sair de dentro do
hospital. O doutor, alegando ser um local muito melindroso, mandou que ele
permanecesse por mais umas horas, somente para observação.
A recepcionista quis telefonar
para sua casa e tranquilizar sua família, mas Alisson alegou que não existia
telefone perto de sua casa e além do mais, ele não queria incomodar sua mãe.
Às três horas da madrugada, o
médico chamando-o outra vez, fez mais um minucioso exame em todo o seu corpo.
Paralelamente, também, foi perguntando coisas simples e de fácil raciocínio,
tais como: como se chamava o seu pai; quantos anos tinha; quanto era dois mais
dois; etc.
Terminando o exame que
felizmente não detectou nenhuma anormalidade, recomendou que ele voltasse na
parte da tarde ao Pronto-socorro, para
tomar uma série de injeções para combater o quadro de inflamação que iria se
estabelecer nele, e liberou-o.
Uma ambulância foi chamada, e
Alisson entrando nela, pode então finalmente ir para casa.
Quando o veículo entrou na rua Álvaro Horta
Filho, local onde ficava sua residência, deu para notar a presença de uma
viatura policial com suas lanternas de alarme acesas e girando no teto,
estacionada no final da rua. Junto a ela, várias pessoas.
Alisson que estava sentado na
frente junto com o motorista, firmou suas vistas e disse:
--- Parece que é na minha casa.
--- Você mora naquela região? ---Perguntou o
motorista.
--- Sim...
E à medida que a ambulância se
aproximava, agora mais devagar por causa do movimento intenso de pessoas, o
garoto foi ficando mais inquieto, e por
fim exclamou.
--- É sim... a polícia está na minha casa.
E logo que ela se estacionou,
ele desceu rapidamente e gritando por sua mãe, correu para dentro.
Na porta, um policial mais
atento o parou. E pegando-o no colo com muito esforço, tentava neutralizar sua
força. E gritando muito por seu pai e sua mãe, o menino foi colocado dentro da
viatura da polícia, para ser acalmado.
--- Calma meu filho... nós precisamos conversar um
pouco. Disse o homem da lei.
--- O quê que está acontecendo?... por quê eu não
posso entrar em minha casa? Perguntou o menino, em meio a um choro desmedido.
--- Procure se
acalmar... você nada pode fazer agora. --- Respondeu o guarda num tom paternal.
--- O que o senhor quer dizer com “ eu não posso fazer
nada”? --- perguntou Alisson muito assustado e parando de chorar de repente.
--- Olha meu
filho... de qualquer jeito você vai acabar sabendo o que aconteceu... não
importa se agora ou mais tarde... o certo é que alguém terá de te contar...
e... e parece que desta vez eu fui o sorteado... seja o que Deus quiser. Escute
aqui garoto, ali dentro daquela casa tem três pessoas mortas.
--- São meus pais e meu irmão... me deixe sair daqui.
--- E falando assim Alisson partiu para cima do guarda, fazendo força para sair
do carro.
--- Não posso deixar você entrar lá... por favor
entenda meu filho. --- disse o policial.
Neste momento chegou o
motorista da ambulância, que resolvera não partir até descobrir o que tinha
acontecido. E vendo a dificuldade do guarda, perguntou:
--- Precisa de ajuda amigo...
--- Sim... vá até lá dentro e chame o delegado
Reginaldo pra mim.
Chegando o delegado, chegou
também o repórter do jornal “O
Caranaibano”, e este, ao saber da presença do menino na viatura, tratou logo de
tirar algumas fotos dele.
O delegado olhando para o
garoto, disse para o guarda.
--- Este garoto não pode ficar aqui, não. Leve-o para
o juizado de menores. Lá tem psicólogos e na certa saberão o que fazer com ele.
Alisson já nem se lembrava
mais que estava machucado. A dor que sentia por dentro, era como se uma espada
a lhe rasgasse o peito. Já não tinha controle sobre seus sentidos. Em seus
pensamentos só a presença de sua mãe, de seu pai e de Nando. Quanto a Toím, ele
sabia que ele não dormia em casa, há dias.
Capitulo 06
Alisson ficou na sala do
juizado aguardando a chegada de um psicólogo e a do próprio juiz, que foram
chamados. Não posso dizer que estava mais calmo, contudo, chorava sem fazer
muito alarde. De vez em quando fazia uma pergunta ao guarda que o havia
trazido, e lhe fazia companhia, naquela sala.
--- Quem os matou?... e porque fizeram isso?
--- Ainda não sabemos. --- Disse o guarda.
--- Porque eu não posso ir lá?... é a minha família.
--- Sobre isso... eu posso te dizer que é para o seu
próprio bem, filho.
--- E o que vão fazer comigo?
--- Não se preocupe... o Juiz vai arranjar um local
bom para você ficar. Eles tem muitas instituições que cuidam de meninos órfãos.
Um barulho de portas batendo,
anunciava para os dois que o juiz e o psicólogo acabavam de entrar no prédio.
Minutos depois eles entravam na sala. Com a chegada deles, o guarda se despediu
e foi embora. O Juiz então mandou que o profissional que trouxera consigo,
começasse a trabalhar a cabeça do garoto.
O psicólogo ficando a sós com
ele, conversou por longo tempo. Neste bate papo procurou levantar sua alta
estima, que estava muito baixa. Mostrou também para ele que a mão de Deus,
apesar das aparências contrarias, na verdade mesmo, estava do lado dele, pois
se não tivesse acontecido aquele atropelamento de que fora vitima, ele bem que
poderia agora estar também morto. Falou das instituições de menores. Mostrou o
carinho com que eles tratam estas instituições. Falou do futuro promissor que
tem os garotos que moram nestas instituições. E etc.
Mas Alisson à medida que o
ouvia, ia em seu interior fazendo seus próprios planos. A conversa do psicólogo
podia até ser verdade, mas o que ele já havia ouvido falar destas instituições,
não as tornavam um lugar onde ele gostaria de morar. E se definiu por fugir na
primeira oportunidade que tivesse.
E ela não tardou a aparecer.
Duas horas depois que o juiz tinha chegado, o psicólogo julgando ter acalmado o
garoto, saiu para ir ter com o meritíssimo e resolver com ele, o destino do
garoto.
Foi nesta hora que Alisson,
saindo pé ante pé, ganhou a porta da rua, e desapareceu daquela área.
Depois de vagar muito pelas ruas,
sempre preocupado com a polícia, resolveu ir até a Igreja de Nossa Senhora da
Glória, que sendo ela um museu, ali, jamais eles pensariam em procurá-lo no dia
de hoje.
Eram sete e meia da manhã,
quando Alisson se viu subindo os degraus daquela escadaria feita em pedra
sabão. Chegando em cima, no topo, no início do adro, viu que a porta da igreja
estava fechada.
--- É cedo ainda...--- disse para si.
Mas voltar não devia, por isso
preferiu então sentar num daqueles bancos esculpidos na pedra sabão, que rodeia
todo o adro, e colocar sua cabeça em ordem.
Por ali ficou um bom tempo.
Pensou no pai, na mãe e nos seus irmãos: um estava morto e o outro,
desaparecido. Chorou baixinho.
Depois de alguns minutos
começou a conjecturar sobre a sua situação. Ir no enterro e se despedir deles,
nem pensar, pois certamente seria agarrado pelo juiz. Voltar em casa, nada ia
adiantar, pois nem moveis direito lá tinha. A caixa de engraxar sapatos, além
de ter sido destruída, o que havia dentro dela, igualmente sumido. Em resumo,
continuar morando em Caranaíba era arriscado, mais dias, menos dias, seria
encontrado e encaminhado para uma instituição qualquer. Enfiou a mão no bolso e
retirou o troco que havia sobrado das compras que tinha feito ontem, lá no
Hipermercado. E contando o dinheiro, exclamou:
--- O que tem aqui, dá para uma passagem de ônibus!...
Mas logo depois mudou de ideia,
pois não ia conseguir embarcar em nenhum ônibus, por ser menor de idade. Diante
disto, só restava uma saída - O caminhão do supermercado.
--- Isso mesmo... --- disse ele. ---- se os motoristas
não souberem ainda do acontecido, poderei conseguir uma carona para sair daqui.
E continuando a falar consigo
mesmo, tomou a decisão.
--- Só tenho que ir lá para o estacionamento e ficar
escondido no meio dos carros, até surgir uma oportunidade de falar com um dos
motoristas... afinal eu conheço quase todos.
E assim então fez. Evitando
transitar pelas ruas e avenidas principais, em pouco tempo alcançou o
estacionamento do Hipermercado Orimar, no bairro Horácio Lopes. Ali em meio
àquela enorme quantidade de carros estacionados, ficou fácil passar
desapercebido.
Do lugar onde estava, dava
para acompanhar o movimento de carga e descarga dos caminhões, no terminal. E
lá pelas onze horas, notou que um dos
caminhões da frota da loja, tinha encostado para carregar. Só aí então
resolveu se aproximar. Mas para sair do estacionamento, tinha que passar perto
da banca de jornais. E vendo então todos os matutinos do dia, presos numa
corda, e cada um com a sua primeira página aberta, lembrou de dar uma olhada no
Caranaíbano, para ver o que ele falava. E assim como quem não quer nada, foi
passando por um, por outro, e parou em frente ao tablóide que queria olhar. E
em baixo, uma manchete dizia: “CHACINA EM CARANAÍBA”. E o texto, embora
pequeno, era bastante enfático. “ Família é exterminada por gang de tráfico.
Segundo o Delegado Reginaldo que atendeu ao chamado, todos os indícios
encontrados na casa, leva a policia a suspeitar que os crimes foram cometidos
por vingança. Foram mortos uma mulher conhecida por Alzira, seu companheiro
Firmino e seu filho Nando. O fato ocorreu no final da Rua Álvaro Horta Filho,
1193, mais ou menos por volta das duas horas da madrugada deste sábado.”
Alisson sentiu aquela dor no
coração, apertou os lábios para não chorar, baixou a cabeça e saiu para o lado,
afim de restaurar novamente seu ânimo. Ficou ali por um momento, depois então,
dizendo para si mesmo que não podia falhar, rumou para o lugar onde se
encontrava o caminhão.
Postando então ali, ficou no
aguardo do aparecimento do motorista. Quando este chegou trazendo um pacote
notas fiscais, Alisson então o interpelou:
--- Ôi Rodrigues... tudo bem?
--- Tudo bem, Zé. --- Respondeu o motorista, sem
contudo parar para lhe dar atenção. E
quando abriu a porta da cabine para colocar o tal pacote de notas no
porta-luvas, Alisson que vinha logo atrás, arriscou.
--- Você vai viajar Rodrigues?
--- Sim... vou. Eu vou a Lafaiete.
--- Puxa vida... eu queria tanto conhecer Lafaiete.
--- É... Lafaiete é maior do que Caranaíba... bem
maior.
--- Você volta quando?
--- Hoje mesmo... no máximo, lá pelas cinco horas da
tarde, já quero estar aqui.
--- Puxa vida... Rodrigues... e eu nem precisava pedir
à minha mãe, para deixar eu ir, porque eu sempre chego em casa às dez da noite.
--- Bem Zé... mas eu não posso carregar ninguém
estranho à firma, não.
--- Ah! Rodrigues... e por acaso eu sou estranho? Todo
mundo aqui me conhece... eu até já engraxei os sapatos do Sr. Wiler, que é dono
de tudo isso aqui.
Rodrigues ao ouvir o argumento
do garoto, se condoeu e disse.
--- Olha moleque... realmente eu não posso carregar
ninguém... mas em todo caso, vou abrir uma exceção para você, mas só hoje, viu.
--- Ôba!
E com esta exclamação, Alisson
quis então entrar na cabine do veículo. Mas Rodrigues, interveio.
--- Não... espera aí. Ninguém pode ver você aqui
dentro, não. Vamos fazer assim... você vai lá para aquela esquina. --- disse
isto, mostrando-a para o menino. --- Eu ainda demoro aqui uns dez minutos.
Depois então, quando eu sair, eu passo por lá e te pego. Ok?
--- Ok... eu estarei lá.
Realmente não demorou muito
para que Alisson se visse dentro da cabine do caminhão, confortavelmente
sentado, conversando com o motorista e olhando estupefato a paisagem.
--- O super–mercado de Lafaiete também é grande,
Rodrigues?.
--- É... o de Lafaiete é do tamanho do de Caranaíba. Eu estou falando deste aqui do
Bairro do Horácio. O outro, o do bairro da Ponte Alta, é do tamanho do de
Cristiano Ottoni.
--- Nossa! Então a família tem quatro super-mercados?
--- Tem...
--- “Putzgrila”!... E eu que achava que era só dois,
um em Caranaíba e outro em Lafaiete... caramba!... então eles são “podre” de
ricos...
--- É... eles são muito ricos. --- disse Rodrigues.
Mas Alisson estava sem dormir
uma noite inteira, e como não poderia ser diferente, o cansaço apareceu. E
aquelas paisagens passando depressa diante de seus olhos, logo fê-lo adormecer.
E dormiu então profundamente. Tão profundamente, que nem viu a parada de uma
hora no supermercado da cidade de Cristiano Ottoni. Rodrigues vendo-o dormir
tão pesadamente, ficou com pena e não quis acordá-lo.
Na chegada de Lafaiete,
Rodrigues finalmente dando uma sacudidela nele, acordou-o.
--- Vamos rapaz... deste jeito você vai voltar sem
conhecer a cidade.
--- Hã... hã... já-já chegamos?
--- Estamos na entrada da cidade.
--- Nossa! Acho que dormi muito tempo... estou até com
o pescoço doendo.
Depois que Alisson falou esta
última frase, lembrou-se do ocorrido na noite anterior, e seus olhos marejaram,
o que procurou rapidamente dissimular. Mas enquanto olhava e admirava a nova
cidade que ele via pela primeira vez, sua cabeça procurava uma saída para a sua
situação.
Quando o caminhão chegou ao
hipermercado, Alisson pediu ao Rodrigues um pedaço de papel e uma caneta, com a
desculpa de querer fazer algumas anotações, para discutir na escola.
E enquanto Rodrigues foi resolver seus
problemas de carga e descarga, Alisson escreveu um bilhete e deixando-o junto
com a caneta em cima do banco do motorista, desceu do caminhão e sumiu dentro
do bairro “Recanto dos Colibris”.
Quando Rodrigues voltou,
depois de alguns minutos, encontrou o papel em cima da sua poltrona. O bilhete
dizia:
“Rodrigues: ontem mataram minha mãe, meu pai e meu irmão. O juiz quer me
mandar para uma febem. Por isso estou fugindo de Caranaíba. Não se preocupe
comigo, eu estarei bem. Fique com Deus e muito obrigado pela carona”.
José da
Glória.
--- Meu Deus... E agora? --- exclamou Rodrigues,
visivelmente abalado. --- “o quê que eu vou dizer em casa?”
Com esta expressão figurada,
Rodrigues bem define o seu estado de espírito de momento, isto é, se sentindo
extremamente culpado pelo futuro do menino.
Sua volta para Caranaíba
atrasou mais que de costume. Rodou pela cidade de Lafaiete, até por volta de
nove horas, só então rezando e pedindo a Deus que protegesse o menino,
retornou.
Em Caranaíba, embora sendo um
pouco tarde, mas após a guarda do caminhão na garagem da firma, procurou a
delegacia, relatou o ocorrido entregando
o bilhete
O oficial de plantão, associando a pessoa do menino ao
crime daquela madrugada, confirmou para o motorista, a história contada. E
tranquilizou o denunciante, dizendo-lhe que agora mesmo, ele ia contatar a polícia de Lafaiete, para
ajudar na captura do menino.
Capítulo 07
O domingo amanheceu com sol,
mas com enormes nuvens brancas. Estávamos quase no final do outono, e portanto
o calor já não era muito, e as madrugadas já começavam a esfriar. As folhas
secas das arvores, eram levadas pelo vento, e de espaços em espaços, não muito
distantes uns dos outros, se amontoavam fazendo dourados montes.
Eram mais ou menos 9 horas da
manhã, quando chegaram os pais de Mariana, para mais um almoço rotineiro de
todo domingo. Nas mãos o Sr. Oswaldo vinha a edição de domingo do jornal “O
Caranaíbano”, pois todo domingo, ele gostava de lê-lo, sentado nas espreguiçadeiras
da piscina.
Entrando na sala e respondendo
o pedido de bênçãos feito por sua filha, Sr. Oswaldo colocando o jornal em cima
da mesa, foi para a sala de estar, junto com sua esposa e a filha. Enquanto
caminhavam, Mariana que ia à frente, dizia para seus pais.
--- Tenho uma grande notícia para o vô e a vó, “corujas”.
--- Então conta
porque estamos curiosos. --- Disse Da. Margarida.
E sentando os três nas
confortáveis poltronas da daquela sala. Mariana continuou.
--- É sobre o Wiler... eu consegui coloca-lo num
programa de intercâmbio cultural, e ele vai para os Estados Unidos.
--- Que maravilha! --- disse a vó.
--- Estupenda idéia... valorizará e muito, o curso de
Direito que ele está fazendo. --- completou Sr. Oswaldo.
--- É... eu também concordo... --- respondeu Mariana,
logo depois completando seu raciocínio. --- hoje, o estudante que não fala
inglês fluentemente, fica inteiramente podado nas suas iniciativas
profissionais.
--- E quando ele vai? --- Perguntou o avô.
--- Mais para o fim de Agosto, ou princípio de
setembro.
--- É... fico feliz pelo Wiler. --- disse a avó,
completando a seguir --- mas fico infeliz pelo Andersom.
--- Eu também, mamãe. Mas o quê é que eu posso fazer
mais? Nem os melhores psicólogos de Caranaíba e de Lafaiete, conseguiram alguma
coisa com ele.
--- Ah!... deixem de bobagem... o Anderson não tem nada... Ele só não gosta
do que vocês gostam. --- disse o sr. Oswaldo.
--- Como não tem?... Se ele não sai de casa. ---
Perguntou Dona Margarida.
--- Mamãe tem razão, papai. O comportamento dele não é
um comportamento de um jovem normal. Ele passa para a gente um estado de
insegurança, muito grande.
--- Que nada...
vocês duas é que são muito preocupadas... --- disse sr. Oswaldo, e se
levantando, perguntou. --- aliás, onde é que ele está?... eu quero saber a
conclusão do estudo que ele fez sobre a cidade de Lafaiete.
--- No lugar de sempre... na biblioteca. --- respondeu
Mariana.
--- Bem, eu vou até ele... gosto muito de ver como ele gosta de
história.
Dizendo isso, se dirigiu para
a biblioteca, deixando as duas mulheres conversando animadamente. Entrando no
salão, sr. Oswaldo foi cumprimentando o neto, com um largo sorriso.
--- Como é que vai indo o meu querido neto?
--- Ôi vô!... a bênção!... como vai o senhor?... ---
Disse Anderson indo ao encontro dele, e dando-lhe um abraço.
--- Ora... ora... ora... o que este moleque anda
fazendo aqui, nesta sala sozinho? --- Perguntou o vô.
--- Eu estou estudando a vida do escritor Júlio Cezar
de Mello e Souza?
--- Humm!?... e este velho e inculto vô aqui, pode
saber quem é esta figura?
--- Ô vô... o senhor nunca ouviu falar de Malba Tahan?
--- Ah!... Desse escritor árabe, sim. Mas desse tal de
Júlio Cezar de não sei o quê, não.
--- Pois é vô... todo mundo conhece Malba Taham, e no
entanto Malba Taham é apenas o pseudômino de Júlio Cezar de Mello e Souza.
--- O quê?... Malba Tahan é pseudômino? Você está
brincando.
--- Não vô... é sério mesmo... o que aconteceu na
verdade foi o seguinte: Este escritor era professor de matemática e apaixonado
por lendas árabes... tão apaixonado que escreveu uns contos árabes e levou-os a
uma editora para que fosse editado. O editor simplesmente recusou sua obra,
alegando uma grande dificuldade em
vender livros de escritores sem nome no mercado literário. Inteligente como
era, Julio César voltou para casa, retirou seu nome e introduziu o pseudômino
de Malba Taham, junto com uma biografia
completa, que ele também criara. Feito isso, procurou então uma outra editora,
e disse para o seu editor, que tinha traduzido aquele livro. Este editor leu-o,
gostou e editou. Daí para frente, ele escreveu mais de uma dezena de livros,
mas todos como sendo de origem árabe e com o pseudômino de Malba Taham.
--- Que sacana,
heín?! Ele então enganou todo mundo.
--- Em parte sim, mas depois do sucesso do primeiro
livro, foi a editora que não quis que fosse revelada a sua identidade.
--- E ele era de onde? --- Perguntou o vô.
--- Ele era do Rio de Janeiro, onde nascera em 1895.
Passou sua infância na cidade de Queluz-SP. E faleceu em 18 de junho de 1974,
na cidade de Recife, onde fora fazer uma palestra.
--- Puxa!... vivendo e aprendendo... Mas interessante,
eu vim até aqui para você me falar do estudo que você estava fazendo, sobre a
cidade de Conselheiro Lafaiete, e você me dá uma aula de biografia.
--- Ah! vô... eu me desinteressei do assunto.
--- Mas por quê?... Você ia tão bem...
--- É... mas... a revolução de 1842, na verdade foi
uma manobra das classes governantes, onde morreu muita gente sem necessidade...
esta revolução, na verdade, não devia
nem ter acontecido.
--- Agora quem ficou curioso foi eu?... O quê que você
descobriu, que acabou com seu entusiasmo? --- Perguntou sr. Oswaldo.
--- Veja bem: havia na realidade dois partidos que se
alternavam no poder. Quando a revolução estourou, o partido que governava foi
chamado de legalista e a oposição, por sua vez, de liberalista. Mas na verdade
vô, o “monte” era o mesmo, só trocavam os mosquitos. Isto é: os legalistas
governavam junto com Dom Pedro II, e os liberalistas apenas queriam trocar de
lugar com os legalistas. Mas ambos partidos queriam ter o jovem Dom Pedro II,
do lado deles. Tanto isto é verdade, que as próprias leis que o ministério
legalista criou, e que foram o estopim da guerra, conviveram com os liberais
por mais de cinquenta anos, quando mais tarde, depois da revolução, se
mesclaram no poder. Ou seja, conviveram com estas leis, até quando o Imperador
foi deportado para a França.
--- Bem... acho que entrar neste mérito aí, é muito
para esta minha cabeça já bem velhinha... eu só queria que você me explicasse
que papel Conselheiro Lafaiete, desempenhou nesta revolução.
--- Bem vô... eu estudei vários livros. --- Disse o
garoto, mostrando uma grande maturidade em matéria de estudos. E enquanto
falava, foi até a estante e pegou o seu trabalho inacabado e de posse dele,
continuou sua explicação. ---... mas quem mais destacou a cidade de Queluz, que
era o nome que tinha a cidade de Conselheiro Lafaiete, em 1842, foi o escritor
Aluisio de Almeida. Este nome por coincidência, a exemplo da nossa conversa
anterior, era o pseudônimo do padre Luiz Castanho de Almeida, que viveu muitos
anos na cidade de Sorocaba. Ele afirma que a cidade de Queluz, atual Lafaiete,
se levantou com os liberais formando um bloco oposicionista, junto com outras cidades:
Barbacena, Pomba, São João Del-Rei, São José Del-Rei, Lavras, Oliveira, Santa
Bárbara, entre outras. E entre as que
permaneceram legalistas, estavam Mariana, Piranga, Ouro Preto, Diamantina e
outras mais. No seu trabalho, Lafaiete é citada várias vezes. Mas os maiores
destaques são registrados nas páginas 162, 221 e 223. Eu vou ler para o senhor,
vô... preste atenção. Página 162:
“...Os acontecimentos de
Queluz foram estes: a coluna organizada em Ouro Preto sob o comando de Manuel
Carlos de Gusmão atacou os rebeldes no interior da vila no dia 4 de julho,
matando dois deles, mas retirando-se.
No
dia 15 voltou Gusmão ao ataque. Venceu, deixando como comandante da cidade o
brigadeiro reformado Manuel Alves de Toledo Ribas. Mas o coronel Nunes Galvão em
pessoa,com a sua poderosa coluna rebelde, às 9 e ¾ da manhã de 26 entrou na
cidade, levando os defensores até a matriz, mas na retaguarda aparece o coronel
Alvarenga, que fechou o cerco. À noite escaparam-se os legalistas... Nesta parte aqui vô...
o filho do coronel Nunes Galvão morreu em Lafaiete, porque o autor,
destaca a nota entre aspas: “Morreu o
Alferes Fortunato Nunes Galvão, mas morreu a morte dos bravos, e seu
respeitável pai teve patriotismo
bastante para cerrar-lhe os olhos, declarando ainda que tinha três filhos para
darem a vida para a liberdade da pátria” Outro destaque desta luta: “ 200 prisioneiros e 50 baixas entre mortos
e feridos, segundo os liberais, teriam sido os prejuízos dos legalistas’.
---Então não foi Caxias que lutou aqui? --- Perguntou
o velho.
--- Calma vô... No momento destes combates, Caxias
estava lutando no oeste de São Paulo. Logo que os ânimos serenaram por lá, ele
veio para cá. Este autor, muito bom por sinal, grava isso muito bem aqui nesta
página... Escute só: Ás sete horas da
noite de 6 de agosto, dia do bom Jesus,a marchas forçadas, entrava em Ouro
Preto com a coluna de Pacheco, o barão de Caxias, à frente de 700 homens.
Tanto
como em São Paulo, Caxias é sempre carinhoso para com seus soldados. Em Ouro
Preto, a Santa Casa transforma-se em Hospital Militar e o cirurgião-mor de 1a.
linha, Antônio José Vieira de Menezes, tratou dos enfermos.
Os
revoltosos saindo de Queluz estiveram exitantes na Bocaina e a 4 de agosto
obtiveram inútil vitória na Lagoa Santa, onde se dissolveu a coluna de Curvelo,
impossibilitada de se Reunir com José Feliciano. --- Agora
vô... é que o autor responde a sua pergunta, escute:
Nesse
lugar da Bocaina, a 5 de agosto vieram eles a saber que Caxias se achava em
Queluz e prometia perdão aos que se apresentassem, não sendo cabeças.
--- Puxa vida! Que honra para a nós, héin!.. Caxias
então esteve em Lafaiete... --- retrucou o vô, todo inflamado em seu orgulho de
ser natural de Lafaiete.
--- É vô... ele foi um grande militar...
Neste momento, Mariana entrou
na biblioteca para chamar os dois sonhadores para o almoço.
--- Vamos seus moleques travessos... o almoço está à
mesa. --- disse ela, em tom de brincadeira.
--- Espera um pouco mãe. --- disse Anderson. E
continuou. --- ... deixe eu ler só mais um trechinho aqui para o vô... logo em
seguida nós vamos.
--- Então não demorem, senão a comida esfria. ---
respondeu com doçura sua mãe, e saiu novamente.
Logo que ficaram a sós,
Andersom falou.
--- Aqui vô... só para terminar, eu quero mostrar a
resposta para aquelas marcas de balas que existem na torre da Matriz Histórica
de Lafaiete... veja só o que este padre fala:
“Queluz, hoje a importante cidade de Lafaiete, foi por assim dizer o
centro da revolução de 42 em Minas, e na sua Matriz se observam vestígios de
balas nos dois braços da cruz da fachada. Em 4 de julho aí se enterraram dois
legalistas, quando Gusmão, vindo de Ouro Preto com os canhões de Halfeld, foi
obrigado a recuar, pela coragem dos rebeldes armados de caçadeiras... --- pronto vô... agora podemos ir almoçar.
Disse Anderson fechando seu trabalho, e guardando-o na estante.
--- É... vamos... e hoje, se a sua vó não me encher a
paciência, eu quero tomar uma cervejinha, para comemorar a estadia de Duque de
Caxias na minha cidade natal.
E dizendo isso saíram os dois
abraçados, para irem almoçar. E Anderson rindo, corrigiu o avô.
--- Há! há! há!... só que quando ele esteve lá, ele
ainda não era Duque, mas sim Barão... há! há! há!
Sentados os cinco à mesa, o
assunto foi futebol. E o Sr. Oswaldo jogou um apelo no ar.
--- Eu quero saber qual dos meus dois netos vai me
levar ao estádio hoje?
--- Vai ter jogo, aqui em Caranaíba? --- perguntou Da.
Margarida.
--- Ora se vai?... Vai ter um jogão... hoje o
Gloriense vai acabar com a escrita de perder para o Atlético Mineiro.
--- Sozinho... “você pode tirar o cavalinho da chuva,
senão ele vai molhar”, definitivamente você não irá. --- Determinou Dona
Margarida.
--- Eu sabia que você ia falar isto... por isso mesmo que eu estou apelando para um dos meus
dois guardiões, aqui. --- E olhou para os netos.
--- Ô vô... eu já combinei com uns colegas... agora
fica chato eu me declinar deles... por que o senhor não me falou isso, ontem?
--- Não... pode ir com eles, eu tenho aqui o meu
letrado neto, o Andersom... certamente ele me levará.
--- Ah... não, vô... o estádio é muito longe... é lá
no “Baêta”... e eu também não gosto de confusão, não... hoje vai encher aquele
estádio. --- disse Andersom.
--- Quê isso? Vai deixar de ir ao estádio, para ficar
aqui ouvindo no rádio?... ou você acha que a tv de Caranaíba vai transmitir
direto?
--- Eu sei que não vai, vô. Mas mesmo assim prefiro
ouvir no rádio.
--- Não nada disto... hoje o senhor vai fazer a minha
vontade. Eu estou velho e nem sei se vou ter uma outra oportunidade de ver o
Atlético jogar aqui novamente.
Da. Margarida ao ouvir estas
palavras, olhou para seu marido, e ele
piscou um olho para ela. Mariana que prestava atenção nos dois, logo entendeu a
manobra de seu pai para fazer Anderson sair de casa. O garoto por sua vez,
diante da argumentação do avô, cedeu finalmente.
--- OK?... vô... eu vou com o senhor.
Mariana então pode respirar
tranquila, porque via finalmente seu filho aceitar um convite para sair um
pouco. Ela não disse uma palavra sobre a decisão dele, deixou a coisa no ar
como se aquela resposta que ele dera, fosse fato corriqueiro.
Capitulo
08
Depois do almoço, Wiler vestiu
sua camisa alvinegra e saiu para encontrar seus amigos. Mariana e seus pais
foram para a sacada da casa, de onde viam o movimento da rua. Carros e mais
carros passavam buzinando. Uns com a bandeira do Atlético, e outros com a do
Gloriense. A cidade estava bastante animada.
Quando o relógio bateu três
horas, sr. Oswaldo entrou na casa e chamou o Anderson. O motorista da família,
que estava de plantão, levou-os para o estádio. Mariana ficando só com sua mãe,
chamou-a para a sala de tv, para juntas assistirem a algum filme.
Mal o filme havia começado,
Da. Margarida adormeceu. Mariana então, abandonando também o filme, pegou o jornal
que seu pai tinha trazido, e abrindo-o no sofá, começou sua leitura.
O caso da Família do Alisson,
estava estampado na página policial. Mariana leu toda a notícia, depois ficou
olhando a foto do Alisson, tirada dentro da viatura policial. De repente
começou a falar sozinha.
--- Nossa Mãe!... Que desgraça a desse menino... agora
sozinho neste mundo... sem ninguém para cuidar dele... e... e interessante...
alem de ter a idade que hoje teria o Alisson, ainda por cima tem os traços
fisionômicos bem parecidos com o Andersom... será?.... não, bobagem a minha...
aqui mesmo está falando que a mãe e o pai dele foram mortos, junto com o irmão.
E falando assim, mudou a
página e foi ver as ofertas que os concorrentes estavam fazendo.
***********************
Alisson depois que deixou o
caminhão do Rodrigues, procurou sair daquele bairro o mais depressa possível.
Caminhou pelas ruas de Lafaiete sem destino algum. Não conhecia a cidade, mas
como não tinha onde ir, também não se preocupava em se perder nela. Sabia que o
Rodrigues ia acabar dando parte do seu desaparecimento à polícia, por isso sua
preocupação era não ficar no centro da cidade.
E andando assim sem rumo, foi
para o bairro do Santuário, onde gastou
suas ultimas economias comprando um pastel e um café, para enganar seu
estômago. De vez em quando lembrava de sua família e seus olhos lacrimejavam.
A noite, ele a passou sentado na porta da
igreja do bairro, tendo como companhia um casal de mendigos que como ele,
também não tinha endereço.
Acordou cedo com o vozerio das
pessoas que chegavam para a missa.
Logo procurou sair para a rua,
temendo ser denunciado por alguém. A fome com que tinha adormecido, agora se
fazia mais presente. Seu estomago vazio, começava a doer. Logo, logo entendeu
que de agora em diante ele teria de
voltar àquela vida de pedinte.
E durante aquele domingo pediu
comida nas residências e nos bares.
Nos dois meses que se seguiram, Alisson
achando um supermercado, fez dele seu ponto de trabalho. Ali junto aos caixas,
passava os dias se oferecendo para levar as compras dos fregueses até o
estacionamento. Desta forma defendia algum dinheiro, com que matava sua fome.
Quando chegava para dormir na porta da igreja, lembrava sempre da sua humilde
caminha, que tinha em casa, e por muitas
vezes chorava. Para os meses de frio, conseguiu ganhar um “cobertor de São
Vicente” e enrolado nele, passava as noites.
Aos poucos as buscas foram
escasseando, e Alisson passou a nem se lembrar mais da polícia e muito menos do
juiz de Caranaíba.
Um domingo, estando ele
passando próximo de uma banca de jornais, sentiu vontade de ver as noticias de
Caranaíba, sua cidade natal. E se aproximando daquele cordão esticado, onde
ficavam todos os matutinos expostos, parou justamente em frente o exemplar de “O
Caranaíbano”, e começou a delicia-lo. Quando chegou no final da página, uma
poesia publicada, chamou sua atenção. Era uma poesia de um poeta sem expressão
nenhuma , que fê-la achando que estava fazendo uma grande e imorredoura obra.
Ela dizia assim.
Caranaíba
(Homenagem
ao meu torrão natal)
Nascestes talvez ao acaso,
Minha doce terra querida,
E diante de ti me extravaso:
Ó minha “Bela Adormecida”.
Dentro da nave de tua igreja,
Escondes relíquias e mistérios,
E antigas peças, de fazer inveja,
Aos artesões do antigo império.
Suas ruas de pedras roladas,
Fazem parte de tua história,
E jamais deverão ser tiradas,
Pois são provas de tua memória
À Santa Mãe te consagraram,
Com o título “Senhora da Glória”,
E seus filhos tanto gostaram,
Que só te tratam pelo nome de
“Glória”
Esta poesia foi a gota que
faltava, para que o seu copo de saudade transbordasse. Seus olhinhos mais uma
vez, marejaram. Saindo dali engasgado, tomou a decisão de voltar para
Caranaíba.
Assim então fez, durante
toda aquela semana guardou até o último centavo que havia ganho no
supermercado. Para satisfazer a sua fome, voltou a pedir comida em bares e
residência.
Contudo seus problemas não
se estabilizavam apenas em conseguir dinheiro para a passagem do ônibus. Ele
sabia que como estava, com a roupa toda suja e amarelada e ainda por sinal, sem
banho há mais de mês, dificilmente iria conseguir embarcar em um ônibus. E
ainda tinha um grave detalhe, não podia viajar sozinho por ser menor. Por isso,
alem de comida, naquela semana, contrariando extremamente sua natureza, além de
comida e café, pediu também roupas e calçados usados.
Graças à Deus, ainda existem
muita gente boa neste nosso querido e gigantesco Brasil, senão não sei o que
seria desta classe de gente super necessitada. Roupa e dinheiro para a viajem
ele conseguiu, faltava agora o banho. Ele então lembrou de seu irmão Nando, que
trabalhava no lava-jato, e pensou. ---É lá... é no lava-jato que eu vou me
limpar. Eu peço o lavador para me jogar uma água.
E assim, no domingo seguinte Alisson foi para a
rodoviária, comprou a passagem e ficou próximo ao local de partida do ônibus,
observando os passageiros que chagavam para viajar. Quando percebeu a
aproximação de um casal bem humilde, ele se adiantou à eles tomando-lhes a
frente, juntos, passaram pelo motorista,
que na porta recebia as passagens. Esta sua hábil manobra, certamente fez com
que o profissional pensasse ser ele filho do casal, que ele precedeu.
****************
Depois daquele dia em que o Clube Atlético Mineiro,
enfrentou e ganhou às duras penas do Gloriense, pelo escore de 1 x 0 com gol de
pênalti, no Estádio Geraldo Amorim, em Caranaíba, Sr. Oswaldo começou um
trabalho bastante samaritano que consistia em fazer com que Anderson, passasse
a sair mais vezes de casa. Isto é, toda vez que surgia um motivo, seu avô,
conhecendo muito bem o neto, não telefonava para ele, simplesmente pegava o
carro e ia até à mansão, solicitar a sua ajuda. Frente a frente, e ouvindo a
chantagem emocional do velho, Andersom não declinava de ajudá-lo.
O neto por sua vez, não era mau garoto, não, apenas,
como sua própria mãe já o definira anteriormente, era simplesmente muito
inseguro. Educado como era, e morrendo de amor pelos seus queridos avós, ficava
impedido de recusar qualquer pedido feito por qualquer um deles. Desta forma
então, por diversas vezes, neste período de pouco mais de dois meses, sr.
Oswaldo conseguiu fazer com que ele fosse sua companhia para diversos lugares.
Um dia, logo depois do almoço, sr Oswaldo passou em sua casa e o convidou para ir com
ele ao banco, para receber seu pecúlio.
No caminho, notando o garoto muito calado, sr. Oswaldo
tentou “puxar a sua língua”, na tentativa de ajudá-lo.
--- O quê está acontecendo com o meu melhor guardião?
--- perguntou.
--- Nada vô... nada...
--- Nada? Tem mesmo certeza de que não está havendo
nada? E porque então, o meu neto querido está tão calado?... será que é porque este velho aqui, fica
pedindo a sua companhia, para que ele possa sair de casa?
--- Não vô... não é nada com o senhor, não.
--- Ah! não!... Se não é comigo, então me conte,
porque mesmo que seja alguma criancice, eu posso ajudá-lo... com a desculpa de
que sou velho, todo mundo acha que eu
sou esclerosado.
--- Há! há! há!... Só o senhor mesmo vô, para me fazer
rir. --- replicou Anderson e os dois riram juntos. Depois então de uns
segundos, Anderson resolveu se abrir com seu Avô.
--- Sabe o que é, vô... tem horas que eu acho que
estou demais lá em casa. Minha mãe só sabe dizer que eu estou ficando maníaco,
ela não diz isso claramente, mas para um burro entender, é só a gente bater na
cangalha...
--- Humm!... --- Fez sr. Oswaldo. E o garoto
continuou.
--- O maior desejo dela é que eu estude
Direito... coisa que eu detesto, e ela
sabe muito bem disto... e agora, com esta viagem do Wiler, marcada para o mês
que vem, para os Estados Unidos, hã!... começou uma nova pressão para que eu o
acompanhe.
--- E você acha que ela está errada? --- Perguntou o
vô.
--- Não sei vô... eu só acho que minha vontade não
está sendo respeitada.
--- Filho... sua mãe só está preocupada com o seu
futuro... só isso.
--- Mas vô, não é só isso não... não só ela como
também o Wiler, toda vez que surge um problema na empresa, ficam jogando farpas
em mim dizendo que eu sou malandro... não quero nada com o trabalho... eles não
entendem que nada disso, é minha “praia”.
--- Então meu filho... diz para este vô aqui, que
tanto te ama... qual é a sua “praia”?... Ou, o quê na verdade mais te interessa
na vida?
--- Pior vô... é que eu também não sei... acho que se
me deixassem mais livre, eu até poderia me definir.
Sr. Oswaldo, vendo a insegurança do rapaz, encostou o
carro no meio fio da calçada da praça Paulo Henriques de Assis, já próximo ao
banco onde tinha que ir, e olhando para o neto, disse:
--- Vem comigo... vamos nos sentar naquele banco ali,
da praça.
--- Mas e o banco, vô?... Já está quase na hora de
fechar? --- respondeu o garoto, enquanto saia do carro.
Sr. Oswaldo, colocando a mão em seu ombro, disse.
--- O banco está ali, todo dia... se não der para ir
hoje, eu vou amanhã... se não der para ir amanhã... eu vou outro dia
qualquer... isso não é importante. Agora importante mesmo neste momento, é
você... você é o meu neto, e está com um problema... e eu tenho que ajudá-lo a encontrar a
solução.
--- Ô... vô! Eu não queria encher a cabeça do senhor
com meus problemas, não.
--- Já te falei que estou esclerosado, não falei? Então,
problema seu é problema meu também. --- e rindo, completou. --- Vamos nos
assentar neste banco aqui, que eu quero te contar uma história.
Depois que se acomodaram nos assentos do banco da
praça, sr. Oswaldo começou a falar.
--- Preste atenção nesta história. Eu a ouvi quando
ainda era moço, e acho que ainda não a esqueci.
“Um rapaz... e este rapaz podia ser muito bem você, pois a
idade dele era a mesma que a sua, saiu
certo dia de sua casa, chorando muito, e foi bater na porta da casa de seu
professor.
O professor ao abrir a
porta, e vendo o garoto neste estado choroso, convidou a entrar e se assentar.
Logo que o garoto se assentou, começou o seu desabafo.
--- Professor, eu vim aqui
para que o senhor me ajude... ninguém na minha casa gosta de mim... todos falam
que eu sou malandro... que não quero nada com a dureza... e...
O professor lendo a alma do
garoto, coisa que só nós os mais velhos, conseguimos às vezes fazer tal proeza,
interrompeu os soluços do garoto dizendo para ele
--- Tudo bem... eu vou te
ajudar. Só que tem um empecilho. Eu
também estou com um problema muito grande... e para que eu possa resolver o
seu, eu tenho que resolver o meu
primeiro, pois só assim terei calma e paciência, necessárias, para ajudar você
a encontrar a solução para o seu. Topa me ajudar?
O aluno, de início ficou
sem ação. Ora – pensou ele – eu vim aqui para resolver o meu problema, e não o
dele. Mas logo também entendeu que se quisesse ter uma solução, tinha antes que
ajudar o professor com o problema dele, era a condição que se apresentava, e
não podia ser mudada. Por isso respondeu.
--- Certo professor. O quê
o senhor quer que eu faça?
--- Eu tenho uma dívida
muito grande e o respectivo credor está me ameaçando de morte se eu não saudar
este compromisso. Por isso preciso que você me faça um favor.
--- E qual é? --- Perguntou
o aluno.
--- Eu preciso que você
leve este anel aqui – e o professor à medida que falava, tirou-o dedo anular da
mão esquerda e estendeu ao garoto, e continuou suas instruções. ---... e tente
vende-lo lá no mercado, a qualquer barraqueiro. Mas com uma condição, você não pode
aceitar oferta menor que uma moeda de ouro, porque é justamente o valor da
minha divida.
O menino foi e duas horas
depois, retornou, entregando o anel ao professor e relatou o ocorrido lá no
mercado.
--- Olha professor...
infelizmente o senhor vai ter que continuar sendo um devedor. O anel que me deu
para vender... acho que não vale muito, não. Eu andei o mercado todo... e a melhor oferta que encontrei foi de uma moeda de prata... eu diria até, que
com mais empenho até que poderia
encontrar uma oferta de duas moedas de pratas, mas infelizmente, o preço
que senhor estipulou, acho que jamais encontrarei.
Calmo, o professor falou
novamente.
--- Vamos fazer o
seguinte... sem uma devida avaliação da jóia em questão, eu vou ficar sem
condição de dizer se aceito ou não a oferta que você encontrou. Portanto, eu
vou te pedir outro favor.
--- Pois não professor,
pode falar. Retrucou o menino.
--- Vá então ali no centro
da cidade e procure por um ourives. Encontrando, peça a ele para avaliar para
mim o anel. Mas seja qual for a oferta que ele fizer, você não o venda sem
antes voltar aqui e me dizer qual é. Certo?
--- Certo. --- respondeu o
aluno e pôs se em marcha, rumo ao centro da cidade.
Chegando na loja, falou com
o ourives e este então colocando aquele monóculo cumprido, examinou detidamente
por um bom tempo. Acabado o exame, o profissional disse:
--- Olha aqui garoto, diga
ao seu professor que se ele não tiver pressa, eu posso encontrar algum
comprador que pague por ele, umas 100 moedas de ouro. Mas se a pressa neste
caso, for fundamental, eu pessoalmente pago na hora 75 moedas de ouro,e só não
pago mais porque no momento é tudo o que
possuo.
O menino ficou num
entusiasmo e numa alegria de fazer inveja a qualquer um. E agradecendo o
ourives, voltou correndo para casa do professor. Chegando, disse a ele:
--- Olha aqui professor...
além do senhor pagar a dívida, ainda vai ficar rico... o ourives mandou dizer
que o anel vale 100 moedas de ouro... e que se o senhor tiver pressa em
vende-lo, ele mesmo paga 75 moedas de ouro agora, e só não paga mais porque
este valor é todo o dinheiro que ele tem...
O professor então pegando o
anel e colocando-o de novo no dedo anular da mão esquerda, disse para o garoto.
--- Esta, meu filho, é a
sua resposta. Você é como este anel. Você é precioso entre aqueles que
realmente conhecem o seu valor... entre aqueles que conhecem o seu interior.
--- Puxa vô!.. Que história bonita.
--- Sim meu filho... mas esta história nada mais é que
a sua história... você é o menino dela... sua mãe, bem como seu irmão, vivem o
dia a dia da empresa... e portanto, vêem em você, uma pessoa confiável e
necessária na firma... e por isso, estão
muito longe de entender que você não fala a linguagem deles. Você Anderson... é
muito precioso para a ciência... para a História. Você se dará muito bem, em
qualquer área que necessita um grande pesquisador...
--- O sr. Acha vô?
--- Claro filho... você só precisa sair para um centro
maior... morar em uma república, e escolher uma área de estudos na qual esta
sua aptidão, irá se destacar.
--- Acho que o sr. tem razão... eu adoro história.
--- Não só História, Anderson... Geografia, Medicina,
Arqueologia... todas estas matérias dependem de muitas pesquisas... e tenho
certeza absoluta, de que se preciso for, aprender o idioma inglês para
desenvolver qualquer destas opções, você certamente o estudará e com muita
alegria.
--- É vô. o senhor acertou em cheio... é isto que eu
vou fazer. --- Disse o garoto, e completou. --- O problema é convencer a minha
mãe...
--- Disso cuido eu... eu não te falei que sou
esclerosado? --- riram muito os dois, e o sr. Oswaldo chamou-o para irem
embora.
--- E o banco, vô? --- indagou o garoto. --- o senhor.
esqueceu?
--- Já fechou... mas não se preocupe, não... com isso
eu acabei foi de arranjar uma boa desculpa para sair amanhã também. --- E rindo
novamente, os dois entraram no carro e foram embora.
Capitulo 09
Alisson chegou em Caranaíba e passou a “morar” na
porta da Matriz Histórica, por ser um local mais isolado da sociedade. Ali ele
dormia todas as noites, enrolado em um cobertor.
Em seu primeiro dia na cidade, procurou uma marcenaria
das muitas que por lá existem, e conversando com um dos oficiais da empresa,
pediu a ele ajuda para conseguir uma caixa de engraxar sapatos. Pois era isso o
que sabia fazer, e precisava de uma para poder trabalhar. O oficial condoído,
prometeu ajudá-lo, construindo-a em sua horas de folga.
Passado alguns dias, procurou novamente a marcenaria e
recebeu-a das mãos do oficial.
De posse dela, foi para o supermercado do bairro da
Ponte Alta, e se aproximando dos fregueses mais abastados, pedia para um, uma
lata de graxa na cor preta; para outro, uma escova de sapato; e desta maneira
então, conseguiu compor a sua ferramenta de trabalho.
E se mostrando muito arredio, não se apresentou
novamente na escola e nem voltou a trabalhar mais como engraxate, no antigo
local onde trabalhou, ou seja, no Hipermercado Orimar, do bairro do Horácio,
mas sim, na Praça Paulo Henriques de Assis, bem em frente à catedral dos Anjos.
Já estava ele frequentando aquele bairro há alguns
dias, quando numa tarde de uma sexta-feira, aconteceu um fato que veio
alterar totalmente sua vida.
Por volta das três horas da tarde, estava ele
engraxando os sapatos de um homem no interior da praça, quando ouviu as sirenes
de quatro viaturas da polícia, que em velocidade, invadiram as ruas daquele
centro comercial.
Duas viaturas entrou pela mão de direção normal, que
fica ao lado da praça, e as outras duas, dirigidas pela contra-mão, seguiu pelo
o outro lado. E nas esquinas do quarteirão, as quatro estacionaram, trancando
assim o trânsito naquela região.
O fato, chamou a tenção de todas as pessoas que
estavam naquela região. Alisson parou de engraxar, e ficou atento para
descobrir o que estava acontecendo. Logo o seu cliente, gritou:
--- Assalto!... proteja-se.
Atônitos, cliente e engraxate, procuraram se proteger
atrás do próprio banco da praça, no qual se encontravam.
--- Onde? --- perguntou Alisson.
--- Em uma daquelas duas Agências bancárias ali. --- Disse
o homem, apontando a região, e completou --- ... na da Caixa Econômica. ou na
do Bradesco.
Logo que estacionaram as viaturas, seus ocupantes
desceram rapidamente, e abrindo as portas para servirem como escudos, se
posicionaram atrás delas com as armas em punho.
Logo, logo saiu três homens da Agencia do Bradesco e
atirando para todas as direções, se protegeram atrás dos veículos que estavam
parados na frente do banco.
A polícia respondeu com fogo. Um tiroteio infernal
começou. Alisson, que acompanhava todo o desenrolar da cena, divisou entre os
malandros, o vulto do seu irmão Toím, que há muito já não o via.
--- É o Toím...
E sem refletir, saiu correndo em direção ao lugar onde
seu irmão estava, gritando.
--- Parem... parem... é o meu irmão... é o meu irmão.
Toím, quando viu Alisson correndo em sua direção,
ainda gritou:
--- Não, Nem... fica onde cê tá... fica, Nem.... fica...
Mas Alisson não parecia raciocinar em termos de perigo,
tinha visto seu irmão, seu último parente, e queria por um fim aquele tiroteio.
Uma bala perdida então, oriunda do lado dos policiais,
acertou-lhe as costas. Alisson interrompeu sua corrida bruscamente e caiu perto
do carro que servia de escudo para Toím. E balbuciau.
--- Toím...
Toím então saiu rapidamente de seu lugar e foi
socorrer seu irmão alvejado. Os tiros pararam. Os companheiros de Toím vacilam,
ao verem sua saída em campo aberto. Este momento de indecisão que se instalou,
foi o suficiente para a polícia agir com
rapidez. Uma partes dos policiais que estava nos fundos da lanchonete, vizinha
à agência assaltada, entraram em ação e renderam os bandidos.
Caído no chão, com a mão estendida na direção do irmão, Alisson esvai-se em
sangue. Toím logo o abraça e começando a chorar, suplica ajuda.
O delegado Reginaldo, que comandou o cerco, puxou Toím
para trás, e enquanto ele era algemado por outros dois agentes, fez sinal para
que uma viatura se aproximasse, e erguendo o garoto nos braços,
colocou-o dentro dela, e disse ao seu condutor:
--- Rápido... abra a sirene toda e leve o garoto
urgente para a Santa Casa.
A viatura partiu à toda, e os marginais foram
conduzidos para a delegacia.
A vida normal das ruas novamente se estabeleceu. E lá
na praça, mais uma vez, uma caixa de engraxar sapatos, ficava outra sem o seu
dono.
Logo que chegaram na chefatura, os bandidos foram
encaminhados para uma sala, onde seriam agora submetidos a uma rigorosa
inspeção.
O delegado que tinha permanecido mais um pouco na
agência assaltada, chegava agora. Ao passar pelo plantonista, recebeu um
recado.
--- Doutor... A Santa Casa está pedindo para que o
senhor entre em contato com eles, urgente.
--- Ok! Obrigado. Eu já ia mesmo ligar para lá. ---
Reginaldo respondeu ao policial e continuou caminhando para sua sala. Ainda a
caminho, pegou seu celular e fez a ligação. Quando a ligação se completou, ele
já estava sentado em sua cadeira giratória. O telefonema foi rápido. Desligando
o aparelho, Reginaldo mandou que trouxessem o bandido, cujo o irmão fora
atingido por uma bala, urgentemente à sua sala.
Chegando o prisioneiro, o delegado falou.
--- O quê você tem a haver com aquele garoto? ---
perguntou.
--- É meu
irmão. --- respondeu Toín.
--- Pois saiba
que ele não está bem, não... e eu preciso avisar sua família. Onde eles moram?
--- Nóis num tem famia mais, não. --- Respondeu Toín
com a voz embargada, por saber do estado de seu irmão.
--- Como não tem mais família?... perguntou o delegado
novamente.
--- Ês foi assassinado ôtro dia... o pai, a mãe e o
ôtro meu irmão. --- Respondeu entre lágrimas o marginal.
--- Humm!... então você está ligado com aquela chacina
que aconteceu na rua Álvaro Horta Filho?... e o menino é o tal que nós estamos
procurando?
--- Sim...
Reginaldo olhou para os guardas que estavam segurando
Toím, e argumentou.
--- Então você tem muito o que contar para nós... mas
por ora, me responda a quem eu devo avisar que ele está quase à morte. ---
Insistiu o delegado.
--- Dotô... o pai achô o Nem no bosque... ele num sabe
disso, não.
--- Eu estava estranhando mesmo esta história dele ser
seu irmão... ele é bem mais claro que você. E quando foi isso?
--- Ele era muito piqueno... num andava inda não. ---
Respondeu Toím
--- E quantos anos ele tem hoje?
--- Uns doze, ô treze...
Reginaldo vendo que não conseguia resolver seu problema,
disse para os guardas:
--- Levem-no... e cuidado com ele... esse passarinho
ainda vai cantar muito bonito, aqui dentro.
Com a saída deles, o delegado baixou sua cabeça na
mesa, colocando-a por cima de seus braços, e fechando os olhos ficou a pensar
no pobre coitado do garoto, que sem ter culpa nenhuma no ocorrido, estava à
beira da morte naquele hospital.
Subitamente, deu um salto e falou pra ele mesmo: ---
se eu tiver sorte... talvez ache a sua família. E falando assim se levantou
e foi até sua estante. Ali ficavam arquivados em pastas, os casos de crianças
desaparecidas, e que ainda não tinham sido encontradas. Os casos eram
arquivados por ano. E cada pasta trazia o ano bem visível do lado de fora.
Desta forma bastou Reginaldo contar 11, 12 e 13 anos para trás, e retirou então
as três, em cujas quais, ele esperava ter chances de encontrar algum
relacionamento com o garoto.
Na primeira só havia um caso insolúvel, mas era de uma
menina. Na segunda, havia dois casos, mas foram descartados porque um garoto
era nissei e o outro era negro. Na terceira, logo de cara tinha a foto do
Alisson, e em baixo dizia. “ Segundo as investigações, desaparecido no bosque
municipal – idade 1 ano”. Foliou mais a pasta, mas acabou por descartar os dois
casos restantes, um por ser menina e o outro porque o garoto desaparecido tinha
na época 5 anos.
De posse da foto, Reginaldo foi até a sala de
interrogatórios, e apresentando a foto ao Toím, perguntou:
--- Esta foto aqui... te lembra alguma coisa?
--- É o Nem, quando chego lá em casa... --- disse
Toím, sem fazer suspense.
--- Tem
certeza?... Este menino desapareceu na época que você falou. E seu nome
era Alisson. Insistiu o delegado.
Toím olhou mais uma vez o retrato, e respondeu.
--- É o Nem sim... tenho certeza... e comé qui ele tá,
dotô?
--- Está na mesma...
--- Respondeu o delegado e continuou perguntando: --- E como é o seu
nome.
--- Nóis chamava ele de Nem... mas pra istudá es
colocaro o nome de Zé da Glóia.
--- Zé da Glória? --- Tentou Confirmar Reginaldo.
--- Sim... Zé da Glóia. --- respondeu Toím.
Capitulo 10
Reginaldo voltou para sua sala procurou na própria
pasta o numero do telefone da Família do
Alisson, e ligou seu celular.
Minutos depois, Mariana já estava ao telefone, e
Reginaldo então foi direto ao assunto. Dizendo para ela que infelizmente havia
90 por cento de chance, de que o Alisson podia estar agora muito mal na Santa
Casa. E que se ela quisesse vê-lo, deveria andar rápido. E que ele, estava indo
agora mesmo para lá.
Mariana começando
a chorar, chamou Anderson e Wiler, e entrando no carro junto com
eles, mandou que o motorista voasse se
fosse preciso, mas queria chegar na Santa Casa o mais rápido possível.
Dentro do carro ela foi colocando para os dois filhos,
a conversa que teve com o delegado. Mas contudo também afirmou que não sabia o
que tinha acontecido com o Alisson, mas que ele estava muito mal. Isto só fez
aumentar a ansiedade nos garotos.
O carro parou na porta do hospital e Mariana de pronto
reconheceu o Delegado, que esperava por eles na porta.
Não houve tempo nem para os cumprimentos de praxe.
Reginaldo logo foi dizendo para eles, enquanto caminhava ao lado dos três. Que
se ele tinha alguma dúvida antes chegar ao hospital, agora ele já não tinha
mais. Alisson é muito parecido com o Anderson e viveu este tempo todo com o
nome de José da Glória.
E Mariana foi logo perguntando como ele estava. Mas
Reginaldo disse que os médicos não estavam dando nenhuma esperança.
Chegaram então por fim, na enfermaria, local onde
junto a outros pacientes, Alisson estava deitado numa cama.
Acercaram os quatro. Mariana não se contendo disse.
--- É ele... meu filho... e beijando-o no rosto,
abraçou-o.
Alisson, ao ouvir aquelas palavras abriu os olhos,
talvez esperando encontrar sua mãe Da. Alzira. Mas vendo outra pessoa, tentou
balbuciar seu nome.
--- José... da... Glória.
Wiler tinha os olhos marejados, depois que reconheceu
nele o garoto que tinha engraxado seus sapatos, apertou sua mão com ternura e
disse entre lágrimas:
--- Perdão...
meu... irmãozinho...
O médico de plantão chegou e disse para Mariana... o
projétil destruiu boa parte do tecido de um pulmão e está alojado muito perto
do aurículo esquerdo... não sabemos como ele ainda está vivo.
Mariana, em seu desespero, tenta fazer ele encontrar
forças e vontade de viver, falando com ele.
--- Meu filho... escute... seu nome é Alisson e você é
o meu filho que desapareceu quando era pequeno... você vai ficar bom...
Alisson continuava sem entender nada do que estava
acontecendo. Sua vida estava chegando ao fim.
Anderson, chorava e não conseguia falar nada.
Wiler, numa tentativa de levantar suas forças, disse:
--- Vamos Alisson... nós precisamos de você no
hipermercado.
Neste momento, Alisson, reconheceu Wiler e disse num
som entrecortado.
--- Ori... mar...
Mariana aproveitando a reação positiva de Alisson,
tentou sua ultima cartada.
--- Sim... Alisson... você também é dono do Orimar...
--- Do... no?...
Ao balbuciar esta palavra, Alisson sorriu, tombou sua
cabeça e sua alma voou, voou o vôo da águia dourada, mas direto para o Céu.
Mariana deu um grito, tentou sacudi-lo, mas o médico
que estava perto cerrou seus olhinhos. Dizendo para ela.
--- Nada mais podemos fazer...
E em volta dele, apenas choro se ouvia.
FIM